Ricardo Coelho dos Santos*
Um dos poucos cultuados críticos de cinema, que, infelizmente, não exerce mais esse nobre ofício, revelou aos seus leitores, numa feita, seu método infalível de avaliação. Ficava na porta do cinema e buscava bandos de moças rindo alto, falando futilidades e vestidas na moda. Abordava-as e perguntava-lhes se gostaram do filme. Se a resposta fosse “sim”, ele já dava nota baixa ao filme sem vê-lo. Se não gostassem ou usassem a palavra mágica “eu não entendi nada”, ele então verificava pessoalmente e, quase sempre, era um filme bom.
A fórmula parece funcionar até nos dias de hoje. Mas, reparem: nem todos os grupos de meninas adolescentes têm mentalidade alienada. Por exemplo: se a leitora está na moda e tem o saudável hábito de ir ao cinema com as amigas e agora está lendo essa coluna, não se sinta ferida. Você, por ler textos grandes, está fora desse arquétipo e sua opinião é sua e merece consideração e muito respeito.
Além do mais, dizer que as meninas sem opinião não leem é um sacrilégio. Elas leem as coisas delas, principalmente aquelas carregadas de imaginação e romantismo. Quanto mais inverossímil, melhor. Estamos revivendo épocas românticas com algumas substituições: os cavaleiros heroicos apaixonados por donzelas lindas e frágeis foram substituídos por lobisomens, vampiros e alienígenas. Elas leem contos imaginativos e, creiam, estão muito à frente dos rapazes: esses, não leem! As mulheres estão passando à frente dos homens e estão dando lavadas. Os filmes dedicados às mocinhas sem opinião estão crescendo em número e em bilheteria. Os romances estão enchendo as prateleiras e, um dia, elas aprenderão a adquirir opinião… E, os homens, estão assistindo MMA e comprando Whey Protein nas lojas perto das livrarias, no mesmo shopping.
Então, não posso criticar esse tipo de filme? Não! Estamos num processo evolutivo muito positivo! E, como existe inteligência no mundo da literatura e esperteza no mundo do cinema, essa evolução já pode ser vista e sentida.
Se começou com a série “Crepúsculo”, um filme sem sal gosto, mas que arrecadou bem, encontrando uma atriz à altura que foi Kristen Stewart e destruiu a promissória carreira de Robert Pattinson, que precisa rapidamente de um bom filme para redimí-lo, imediatamente encontramos inteligência na saga “Jogos Vorazes”, com uma boa história e um elenco infinitamente mais afiado.
Chegamos aonde eu queria: a série “Divergente”, escrito pela jovem Veronica Roth que conhece os malefícios da separação entre as pessoas, pois sua família, por ter passado por Campo de Concentração na Segunda Grande Guerra, deve ter-lhe inspirado nessa obra que não se trata somente de uma temática amorosa para as românticas de plantão, e sim, de ficção científica dentro dos padrões estabelecidos para tal. O tema é esse mesmo: segregação entre humanos que passam a viver em facções fortemente separadas entre si numa Chicago pós-apocalíptica.
Os filmes seguem a sequência dos livros, então começando com “Divergente”, dirigido por um competente Neil Burger, que se mostrou afinado aqui e em outros filmes, como em “O Ilusionista”. O elenco, jovem e correto, é capitaneado pela simpática californiana Shailene Woodley, que já mostrou seu talento em “Os Descendentes”, dividindo as atenções com George Clooney, e encantando o mundo em “A Culpa é das Estrelas”.
A sequência continua com “Insurgente”, já dirigido por Robert Schwentke, um especialista em filmes de ação inteligentes, como “RED – Aposentados e Perigosos”, e manteve os atores e a má recepção da crítica. Como uma franquia de qualidade, o elenco de apoio foi mantido, e isso é um ponto a favor da produção: não é fácil manter os nomes de Naomi Watts, Maggie Q e, principalmente, Octavia Spencer, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em “Histórias Cruzadas”. Ainda, seguraram o nome de Kate Winslet, que poderiam ter soltado logo!
O terceiro filme da série seria “Convergente”. Mas, como já disse, existe esperteza na indústria do cinema, esse foi dividido em dois para “esticar o gosto”. O mesmo Robert Schwentke se manteve na direção assim como o elenco. Não podemos esquecer de falar sobre a atuação do “pintoso” ator, cantor e guitarrista Theo James, já premiado pela sua jovem atuação. E o elenco se manteve, com as mesmas Octavia Spencer e Naomi Watts e o reforço do carismático Jeff Daniels.
Então, vamos à inteligência e o alerta de, se não nos nivelarmos às meninas de hoje, perderemos o rumo das coisas. A segregação entre as pessoas, mostrada aqui com o adequado exagero ficcional, está acontecendo no Brasil hoje, agora!
Estamos vivendo em nossa terra tamanha polarização política que não podemos mais afirmar que vivemos num país pacífico, de tolerância e compreensão mútua que já foi a nossa fama em passado recente. O ódio de pessoas a favor e contra o governo chegou a tal ponto que uma mãe e sua criança foram agredidas por estarem vestidas de vermelho! Eu mesmo fui insultado por estar usando uma camiseta vermelha em homenagem aos Pioneiros – Escoteiros com mais de dezoito anos. Abre-se a Internet e se vê que falta respeito entre as pessoas. Parentes meus não falam comigo devido às minhas convicções políticas e essa segregação está passando aos religiosos. Católicos e Protestantes estão a ponto de levantar outra Noite de São Bartolomeu. Torcidas organizadas de times estão se agredindo a ponto de se matarem.
O que está acontecendo com o nosso país? Bom, leiam os livros de Veronica Roth e assistam à série cinematográfica – o último filme virá em março do ano que vem, mas já dá para se ter uma ideia. Os críticos que massacraram o enredo, creio eu, não o viram por esse ângulo.
Fontes de pesquisa: Wikipedia.
* Engenheiro, Escritor, Poeta.