Anaximandro Amorim*
Não sei por que, mas construções históricas sempre mexeram comigo, de alguma forma. Talvez seja coisa de vidas passadas, talvez porque sou filho de professora de História, sempre fiquei encantado com a beleza da Catedral Metropolitana; ou a imponência do Teatro Carlos Gomes; ou mesmo a grandiosidade da cúpula da antiga Assembleia Legislativa. Todas essas construções – dentre outras – são os cartões postais de nossa cidade. Porém, o que a gente nem se dá conta é que, por trás delas houve um homem muito importante, que praticamente fez tudo o que de bonito a gente tem ainda hoje na capital. Seu nome? André Carloni.
Mais do que nome de bairro, André Carloni foi um arquiteto italiano que viveu, praticamente, toda sua vida aqui. Nascido em Bolonha, a 28/01/1883, desembarcou em terras capixabas no ano de 1890, trazido com sua família pelo vapor Adria. Era o primogênito de três irmãos e herdou do pai, Zama Carloni, um ferreiro de mão cheia, o talento para trabalhos manuais, tanto que, junto dele, executou as grades e portões do antigo quartel da Polícia Militar. Mais tarde, com outro italiano, o arquiteto Spiridioni Astolfoni, ajudou nas obras do velho Teatro Melpômene, fazendo as pinturas do imóvel, além de cartazes para peças e filmes, até se matricular e se formar no curso da Maçonaria Monte Líbano de Leitura, Música e Desenho, destacando-se no último e, depois, no Instituto de Belas Artes, do Governo Jerônimo Monteiro.
Carloni foi responsável por muitas obras importantes a partir de então. Seu primeiro trabalho de destaque foi a ampliação da Igreja do Carmo. A partir daí, e a convite do Governador, André construiu uma série de obras públicas, tais como a antiga Assembleia, o Colégio Pedro II, a Santa Casa da Misericórdia, a Catedral Metropolitana e o Teatro Carlos Gomes, em 1927, que era dele e não tinha portas! O teatro foi vendido para o Estado em 1933, mostrando a veia empreendedora o imigrante que, dentre outras curiosidades, foi o primeiro proprietário de um automóvel em Vitória, um Cadillac 1906, comprado seis anos depois e que, por não haver ruas trafegáveis na capital, se arrebentou todo!
Quem nunca se extasiou com a beleza neogótica da Catedral Metropolitana de Vitória? Lembro-me da missa da minha formatura; na verdade, lembro-me da minha primeira missa na Catedral, cheia de gente contrita e eu lá, ensaiando minhas orações! E as imagens daquela nave enorme, numa beleza que, sem exageros, só vi reproduzida quando fui à Europa; mas de todas as obras do André Carloni, a minha preferida sempre será o Teatro Carlos Gomes. Recordo-me, como se fosse hoje, da primeira vez em que entrei ali, para assistir à minha primeira peça de teatro: foi “A Tempestade”, de William Shakespeare, com Paulo Autran no papel de Próspero. Eu tinha 16 anos e fui tomado pelo encantamento! Aquele teatro lindo que, dizem, é uma réplica do Alla Scalla de Milão me transportou no tempo e no espaço e eu, adolescente, fui inexplicavelmente arrebatado. Aquela noite foi mágica!
André Carloni faleceu aos 93 anos, no dia 26/07/76. Fumante inveterado, foi vítima de um “carcinoma broncogênico”. Morreu o homem, ficou um legado que, certamente, não cabe nesta crônica. Naturalizado brasileiro em 1942, ele foi capixaba, pois, como tantos nesta terra acolhedora, viveu e adotou Vitória como sua, deixando marcas indeléveis várias esquinas. Pena que a poeira do tempo teima em encobrir a história de um homem cujas construções não são apenas importantes para o turismo, mas também para a nossa identidade. E, ainda que não houvesse faculdade de arquitetura naquela época, pela grandeza de suas obras, teimo em chamá-lo de arquiteto, melhor, de construtor. Pois, para mim, André Carloni foi, verdadeiramente, o construtor de uma cidade.
* Advogado, Escritor.
Publicado também em www.anaximandroamorim.com.br