Aylê-Salassié F. Quintão
Dos 54 milhões do votos que elegeram a chapa Dilma/Temer, pelos menos 30 milhões vieram do PMDB. Dizer também, como o ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, de que Temer não teve a legitimidade das ruas é, primeiro, um preciosismo; segundo, uma aleivosia mesmo. O ministro está sendo usado para dar vida a uma confusão jurídica programada, ou tem motivos particulares para assumir tal postura.
Os milhões que foram às ruas queriam a saída de Dilma, já sabendo que Temer era o substituto constitucional e natural. O vice existe com essa finalidade: substituir o presidente. Quem não queria Temer eram os aliados da presidente, que o classificou de “traidor”, quando, na realidade, ela quis usá-lo no relacionamento com o Congresso, deu cordas para ele, e depois puxou o tapete. Ciente do desastre das contas públicas, ele tentou oferecer alternativas. Ela recusou. Onde está a deslealdade apregoada?
Outro detalhe ignorado é que Dilma não se elegeria sem a maioria significativa dos votos dados a ela pelo PMDB . Dilma não tinha voto nenhum, e os votos do Partido dos Trabalhadores não eram suficientes para eleger o Presidente da República, sem a presença do PMDB na coligação. Quem acredita nessa história da ilegitimidade do governo Temer não pode estar falando sério. Não é questão de ser contra a Dilma ou contra o PT. Os relatórios do TCU, da Câmara, do Senado, as orientações do Supremo Tribunal Federal, os textos constitucionais e a Lei das Responsabilidades Fiscais são todos muito claros. Mesmo que não fossem, a Nação não tem como bancar esse rombo corruptor que se instalou dentro do aparelho de Estado e nas contas públicas, levando o País à bancarrota. Isso não compôs o processo de impeachment. Por si só, desqualificaria qualquer um a concorrer até para cargo em condomínio.
Surpreendem as falas intempestivas do ministro Joaquim Barbosa, que relatou o Mensalão, e que, por antecipação já sabia de toda essas práticas ilegais. Os rastros da Lava-Jato já estavam lá. Questionar a legitimidade do Governo atual é bastante desconfortável para quem acredita na virtuosidade do ex-ministro como vanguarda dessa mudança ética e moral que se anuncia e que pode, sim, estender-se a uma boa parcela de outros políticos e partidos. Considerado, por alguns, juridicamente solidário com os atos da presidente afastada, Temer precisa usar de cautela e sagacidade nas articulações, para evitar abrigar em seu governo pessoas que, por antecipação, já aparecem na “folha corrida” da polícia. O descrédito pode manchar o seu currículo e estender-se ao seu governo.
Nova eleição, como solução. Todos defenderiam isso, mas, nesse momento, o País não agüenta. A conjuntura não recomenda. O Brasil está afundado em dívidas, desemprego e compromissos não cumpridos tanto internamente quanto no exterior. Tem ainda pela frente as Olimpíadas, as quais comparecerão autoridades, políticos, empresários , atletas e a imprensa de todo mundo. Assim, mesmo merecendo a admiração da população, a impressão que se tem é a de que o ministro está dando “palpites”fora de hora, se não contribuindo, descompromissadamente, para prolongar a agonia e a insegurança dos brasileiros. Melhor ir para Miami, ministro. Sua contribuição já foi dada.
Nem os resultados das ruas, nem os das eleições gerais deixam dúvida sobre o papel decisivo dos votos do PMDB para a eleição da chapa Dilma/Temer. Sem o PMDB que, admito, é um partido fisiológico, sem coragem de encarar uma eleição direta, o PT não teria chegado ao Poder. Seus dirigentes foram habilidosos na formação das coligações. Quem acredita nessa história de carochinha – contos orais - de que houve golpe não pode estar também de boa fé.
Para não esticar muito essa conversa, os resultados das eleições de 2015, mensurados pelo Superior Tribunal Eleitoral indicam que o PMDB elegeu 27,% dos governadores (7) , contra 19,2% do PT(5) . Para o senado, o PMDB elegeu 22,6% dos senadores (19), contra 15,5% do PT(13). Para a Câmara 12,8% dos deputados (66) contra 13,6% do PT (70: quatro a mais apenas ). Nas eleições municipais, 18,3% dos prefeitos (1024) eram do PMDB, contra (11,3%) 635 do PT. Se há lógica na matemática, dos 54 milhões de votos obtidos pela presidente Dilma, pelo menos 30 milhões vieram de Temer, ou seja, das bases do PMDB nos estados e municípios. Salvo algum erro de cálculo, o ex-ministro pode ficar à vontade para requalificar os dados do STE e rever as imagens das ruas pedindo mudanças. O povo, na sua representatividade, é preciso ser respeitado pelos políticos, não como massa de manobra, mas como uma instituição chave na democracia.
Jornalista, professor. Doutor em História Cultural