Erlon José Paschoal*
Como convidado da VI Bienal Rubem Braga recentemente em Cachoeiro de Itapemirim abordei as origens, as características e a importância social e literária do texto teatral. Sendo o único gênero literário que necessita de um espaço arquitetônico próprio para se realizar completamente, o teatro até pouco tempo cumpriu um papel relevante de centro de discussões sobre temas relevantes da vida social. É em suma a literatura que almeja tornar-se outra, metamorfosear-se em algo concreto e vivo, em um momento de celebração onde as palavras se transformam em pessoas, em personagens vivas.
Escrever para teatro não é uma tarefa fácil. A dramaturgia, o texto escrito para ser encenado, tem se transformado significativamente ao longo das últimas décadas. As influências são diversas, sobretudo, se considerarmos que a dramaturgia reflete o comportamento humano em seus mais variados matizes.
Para o dramaturgo alemão Bertholt Brecht, o teatro deveria não somente reproduzir a realidade e uma determinada época, mas sobretudo estimular no espectador novas percepções da realidade e reflexões que o levassem a transformá-la. Para isto o autor poderia servir-se também de textos clássicos, sempre atuais por sua força de tradução do imaginário do homem ocidental.
A par disso, Brecht criticou também as falsas adaptações, de índole puramente formal que, com seus efeitos sensacionalistas, suas entonações patéticas e solenes, servem apenas para obscurecer e banalizar as obras clássicas, afastando-as assim ainda mais do público moderno.
Percebe-se atualmente uma certa tendência a remontar textos clássicos. As razões podem ser variadas: a tentativa de uma discussão profunda sobre questões arquetípicas que continuam afligindo a humanidade; o suposto status alcançado pelos encenadores ao verem os seus respectivos nomes ao lado dos autores mais renomados da cultura ocidental, ou até mesmo o comodismo de não querer apostar em autores novos, com medo de prejuízos econômicos e de possíveis críticas destrutivas do público especializado.
Há também opiniões extremas. Gerald Thomas, por exemplo, afirmou certa vez, que nenhum texto do passado seria capaz de retraduzir a complexidade da atualidade, pois “a história não vai para frente se não se criam textos novos”.
Polêmicas à parte, sabemos muito bem que uma sociedade não avança se não repensar o seu passado, e para isso uma boa opção seria recolocar em cena textos que discutiram tão profundamente suas respectivas épocas. Ao mesmo tempo, necessitamos de obras que reflitam de maneira direta e objetiva sobre a nossa realidade circundante, a fim de que nos defrontemos com os espelhos que forjarão a nossa evolução cultural.
A dramaturgia entendida como a arte de composição de textos teatrais passa por uma crise benéfica, segundo muitos teóricos. O desafio maior hoje seria construir um diálogo ativo e necessário com os novos públicos formados e influenciados em sua maioria pelas novas tecnologias e novas mídias, sobretudo as redes sociais interativas.
Das novas experiências de muitos grupos de teatro no Brasil e no mundo - nas quais os discursos se formam em conjunto com o público -, aos textos mais tradicionais baseados na representação de fábulas e encenados de maneira convencional, constata-se que a vitalidade desta arte milenar continua tendo uma função marcante na sociedade moderna.
Mas hoje, como expressar a realidade atual em toda a sua complexidade¿ De que forma nossos jovens autores poderão expressar em suas criações artísticas essa realidade que nos cerca hoje no Brasil, por exemplo? De certo modo, a arte vive hoje a impotência diante da destruição e do aniquilamento, o vazio diante da sociedade de consumo que privilegia o supérfluo em detrimento do duradouro. Mas a pluralidade de concepções e as novas possibilidades de divulgação das próprias obras e pensamentos abrem novos canais de comunicação e de intercâmbios até então desconhecidos. E os jovens estão bem antenados nisso.
Neste sentido, na década de 90, por exemplo, a diretora de teatro francesa, fundadora do Théâtre du Soleil, Ariane Mnouchkine, montou um espetáculo sobre Sarajevo, cidade símbolo da barbárie e da carnificina pós-moderna, e fez na ocasião uma greve de fome em solidariedade às milhares de vítimas bósnias. A proposta de sua companhia foi redimensionar o papel e o lugar do teatro e sua capacidade de representar a época atual. Por isso, suas montagens abordam quase sempre as grandes questões políticas e humanas, dando relevo à pesquisa de novas formas dramáticas e à confluência das artes do Oriente e do Ocidente.
De qualquer modo é evidente que o teatro para ser vivo precisa estar apoiado nas reais necessidades de comunicação de seu tempo. É então fundamental refletir sobre os caminhos do teatro contemporâneo e reconstruir o diálogo com o público em um mundo globalizado repleto de alternativas de entretenimento, lazer, novas mídias e consumo artístico; este é sem dúvida o grande desafio da dramaturgia atual.
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Diretor de Teatro, Dramaturgo, Escritor e Tradutor de
alemão. Gestor
cultural com foco em planejamento estratégico, gestão de pessoal e de
programas, e em Economia Criativa.