Anaximandro Amorim*
Das minhas muitas lembranças da infância estão as inúmeras fotos de Festa Junina que tenho, batidas pelos meus pais em uma velha Kodak Instamatic 155x, comprada na década anterior. Corriam os anos 1980, eu amava botar meu chapéu de palha na cabeça e tentar conseguir a coleguinha mais bonita da sala para ser meu par. Quando conseguia, a quadrilha ficava muito mais animada. Quando não, era o fim do mundo. Em todo caso, tudo era motivo para aguentar a chacota dos amiguinhos, numa época em que a gente nem imaginava o que seria bullying, mas praticava de montão!
Quadrilha, aliás, naquela época, tinha outro sentido - e era bem melhor que o de hoje em dia. Eram sempre as mesmas músicas, tocadas naqueles vinis que a escola desempoeirava somente lá pelo mês de junho, mesmo. A gente ensaiava um mês inteiro nas aulas de educação física, para ficar tudo bonitinho para o pai e a mãe. A outra preocupação era com o figurino: o mais jeca, melhor. Tanto que eu já usei muito o terno de casamento do meu pai, de 1976, must para época, risível para a década seguinte. Atualmente, excelente peça de brechó. Já ganhei até prêmio com aquilo. Incrível como entrava em mim. Hoje, nem em mim. Nele, tampouco.
Falando em prêmio, eu nunca ganhei aquelas cartelinhas que a tia dava para a gente ser o rei (ou a rainha) da festa. Eram um papeizinhos com uns quadradinhos. Cada um tinha um valor e, quem completasse, levava a coroa. Sábia estratégia da escola, para conseguir patrocínio. O legal era bater de porta em porta, aporrinhando os vizinhos. A garotada ficava alucinada, tocando em todos os apartamentos, dois, três de uma vez, brigando para conseguir um quadrinho. Vem desde essa época meu nenhum talento para vendas. Às vezes, um familiar comprava uma cartela toda. Não tinha graça. E nem assim eu conseguia a coroa.
Quando comecei a estudar francês, descobri que a Festa Junina tinha origens na Fête de Saint Jean e que a gente fala francês sem perceber: "anarriê" é en arrière (para trás); "alavantu" é en avance tous (todos para frente); "tu" é tous (todos) e por aí vai. São muitas as histórias, mas, a mais famosa é a de uma dança chamada quadrille, brincada a quatro. O padre era uma sátira ao clero e as roupas engraçadas, à nobreza francesa da época, antes da Revolução de 1789. Motivo a mais para eu gostar do festejo!
Faz tempo que eu não danço um São João. Uma festa temática aqui ou ali, mas nunca vai ser do mesmo jeito. Jeito daquele menino, com bigode pintado pela mãe, que tomava litros de refrigerante e pulava uma fogueira de papel celofane. Era quando tudo estava liberado: correr de suar, jogar estalinho no chão, juntar a turminha para aprontar e não precisar parecer comportado sob os olhos dos pais. Daquela época, ficaram as fotos da Kodak. Uma delas, de um garoto, com os olhos faiscando como na fogueira de São João. O garoto era eu.
*Advogado e Escritor
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