Adolfo Breder
Combinei de levar a afilhada Gigi à festa junina genuína do Ballet de Santa Teresa. Ela não tem o costume de ir ao Centro da cidade. Quando lá chegamos, ficou admirada em ver os altos prédios, as portas esculpidas dos edifícios antigos, que logo associou a D. Pedro II.
De repente ela apontou para um hotel e perguntou se era de luxo, com os olhinhos faiscantes. Fiquei pensando, ela que é moradora de comunidade, deve ter visto e sonhado com lugares assim, ao identificá-los em cenários de novelas e filmes da sessão da tarde! Vamos matar a curiosidade? Pedi ao funcionário da recepção, todo engalanado, para fazer uma breve visita com a Gigi. Andamos por todo o andar térreo e ela ficou maravilhada com os quadros, os estofados, os espelhos, as pessoas bem vestidas, os solícitos funcionários e o aroma delicioso que brotava do restaurante. Tiramos fotos e conversamos com quem encontramos.
- Agora vamos em frente! Temos que pegar a condução para Santa Teresa!
Pelo caminho, fiquei observando calado o olhar curioso da menina ao ver pelas calçadas, esquinas e portas de igrejas, em profusão na região, a miséria dos que moram nas ruas. Que choque! Poucos passos e a classificação passou a ser CINCO ESTRELAS CADENTES! Do luxo ao lixo, como sintetizou o premiado carnavalesco Joãozinho Trinta!
Daqui a quarenta dias começam as Olimpíadas. Aqueles hotéis estarão com lotação máxima. Cheios de pares de olhos de todo o mundo. Provavelmente não vão conhecer esta outra face da maravilhosa cidade: a crescente comunidade dos sem teto urbanos. Como sempre acontece, a maquiagem circunstancial vai cuidar de armazenar temporariamente a miséria nos bastidores da hipocrisia municipal.
O espírito olímpico de comunhão dos povos dos cinco continentes, simbolizado pelos elos coloridos da sua tradicional marca, está sendo maculado por essa OLIM: PIADA DE MAU GOSTO! Onde o sentido de legado é o que será largado por aí como despojo dos poucos dias de competições, seguidos dos anos de dívidas e dúvidas a respeito de quando, por exemplo, a dignidade será restituída ao povo que habita as sarjetas. E a todos nós que não podemos mais confiar na providência da Previdência!
Ao voltarmos da festa junina, onde divertiu-se muito com o amiguinho Duda, já estava escuro. Pegamos a última condução e Gigi perguntou à queima-roupa, apontando para os vãos das marquises: “Eles vão ficar ali a noite toda? Está muito frio! ” Gelei!
Foto: do autor – Av. Rio Branco – Rio de Janeiro.
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