Por: Erlon José Paschoal
Outro dia alguém me perguntou como entender esses nossos tempos pós-modernos em toda a sua complexidade, aceleração e virtualidade, considerando, ao mesmo tempo, os sonhos, as relações humanas e as utopias. Não pretendo aqui dar uma definição do pós-moderno, uma vez que se trata de um conceito fluido e multifacetado, e muitas vezes controverso, mas tão somente relembrar alguns aspectos importantes nesse contexto. De qualquer modo, falar do pós-moderno, antes de mais nada, é falar do presente ininterrupto, em contraposição a um passado próximo, de poucas décadas atrás.
Um de seus traços mais evidentes é a fragmentação das linhas de orientação de nossa existência tão caras aos tempos modernos, e a dissolução de inúmeros conceitos: a razão esclarecedora, a história determinista, o Estado absoluto, a ciência a serviço da maioria, o sujeito coletivo e a massa coesa capaz de mudar a sociedade e fazer revoluções. Todas essas certezas, como sabemos, se esfacelaram após a queda do muro de Berlim e, sobretudo, das torres gêmeas.
Vivemos hoje um presente contínuo, ao contrário dos tempos modernos nos quais se vislumbrava e se construía coletivamente o futuro. Em nossos tempos quase não se crê que seja possível aprender algo com o passado, tampouco se criam expectativas ou projetos em relação ao futuro. As fronteiras entre as várias disciplinas do saber, as práticas sociais, as identidades, as linguagens artísticas se dissolveram ou se tornaram tênues. Os conceitos de transversalidade, transdisciplinaridade, multiculturalismo, diversidade e interface orientam muitas de nossas ações e atividades. Mesmo as fronteiras bastante sólidas foram abaladas: entre masculino e feminino e entre realidade e ficção, por exemplo. Nesse aspecto, das inúmeras opções sexuais às variadas escolhas e avatares há um leque amplo de gradações.
Predomina, de qualquer modo, uma liberdade de combinar tudo com tudo, de aproximar conceitos muitas vezes excludentes. De um lado é algo positivo que nos remete ao anarquismo, à inovação e aos fundamentos da criação artística. Por outro lado, convivendo com esta riqueza de possibilidades, constata-se uma ausência de finalidades, de metas, de objetivos claros e definidos, e de conclusão.
Acostumamo-nos com a flexibilidade, a impermanência, a fluidez e a ausência de garantias, sejam elas relativas às crenças, ao emprego ou à organização social. Quanto mais risco, mais variação. Quanto mais garantias, mais estabilidade. O poder perdeu a sua centralidade. Para muitos a ausência de verdades absolutas significa também o fim dos totalitarismos, embora alguns apontem formas mais sofisticadas de controle em nossos dias. Segundo Chomsky, com a extrema vigilância que reina nos dias atuais, as formas de controles se tornaram sutis e eficazes. Basta lembrarmo-nos do estado de exceção permanente em que vivem vários países a pretexto de combaterem o terrorismo. E também a atração que exercem inúmeras práticas grupais e comportamentos fascistas.
Não temos mais um discurso universal, pois seria algo dispensável na pluralidade de centros em que vivemos, pois não necessitamos mais de verdades permanentes. Tomemos, por exemplo, duas áreas fundamentais da vida humana que foram bastante flexibilizadas, tornando-se completamente fluidas: o amor e a profissão. Ambas deixaram de ser uma eleição única, para toda a vida. Perderam a característica de obrigação e escravidão e ganharam em ludicidade e não seriedade. A cara metade para toda a vida tornou-se um “ficar” que pode ser rompido a qualquer momento. O conceito de vocação, relativo à esfera do trabalho, foi substituído pelas experimentações, enquanto a auto-realização vinculada à escolha de uma profissão deu lugar à busca do reconhecimento social e muitas vezes do êxito fácil e imediato, que leva a um desapego do trabalho e a um desprezo pelo durável e pelo permanente. Há sem dúvida uma valorização excessiva do sucesso rápido em detrimento da experiência e do aprofundamento.
Como se orientar então em meio a estas infinitas e renovadas possibilidades? Discernir, avaliar, separar e escolher impõem-se, portanto, como exigências básicas de nossa época, uma tarefa cotidiana e contínua. Como não é possível suportar apenas o presente absoluto, como ficam os sonhos individuais e os coletivos? Surgirão daí novas utopias? Vamos viver para ver.....
*Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.