Por: Ricardo Coelho dos Santos
Conta-se que pelas bandas de Cobilândia, se instalou, numa certa feita, na década de 1970, uma padaria nova. Seu dono chamava-se Joaquim das Neves e veio de Muriaé. Mudou-se para Vila Velha para ficar mais perto da sua sogra, que se enviuvara e tinha a saúde precária.
A padaria do Joaquim ficava na mesma quadra de outra padaria tradicional: a do Sandoval, conhecida por fazer pães tão duros que, dizem, sua massa inspirou os donos da primeira fábrica de pavimentos encaixáveis de concreto do município. Mas Sandoval era boa gente e, organizado que nem só ele, atendia bem a clientela. Então, a concorrência não seria fácil, apesar de nunca ter se visto algum sentimento de animosidade entre os proprietários.
Joaquim era um padeiro e tanto. Seu pão era macio, crocante e tão bem feito que era bom para ser consumido mesmo dormido de um dia para outro. Fazia, também, excelentes broas de fubá, bolos de diversas maneiras, inclusive aceitando encomendas, biscoitos, roscas doces e salgadas, bolachas e manteiguinhas, como se chamava, naquele tempo, as brevidades. Isso esvaziou bem a padaria do Sandoval, mas essa se manteve, passando a assar leitões e perus, coisa que os modernos, mas pequenos, fornos do Joaquim não permitiam.
Com o crescimento, Joaquim teve de assumir melhor seu negócio. Não dava mais para se dedicar ao forno como antes. Nem mesmo assumir caixa, balcão ou as encomendas que ele atendia também com tanto gosto. Teve de gerenciar seu negócio.
Comprou a casa da esquina e mais as duas casas vizinhas, cada uma de uma rua diferente, e ampliou seu estabelecimento. Colocou uma fachada moderna e um interior atraente, instalando até um serviço de lanchonete, servindo café da manhã para atender motoristas de táxi e outros fregueses. Estavam ao seu serviço um rapaz e uma moça que se revezavam no caixa, quatro moças e um rapaz que atendiam aos fregueses em turnos, dois padeiros e quatro ajudantes, duas velhas que se empenhavam em fazer café e manter os balcões asseados e um rapaz que atendia as encomendas, se encarregava nas compras e tratava das questões de balancete e balanço. Estava longe de ser a equipe ideal, mas era o suficiente para atender no bairro.
A maior característica do Joaquim como gerente era a sua bondade e compreensão das coisas. O elenco da sua padaria nunca se apresentava completo. O rapaz dos balanços, por exemplo, em seis meses já tinha matado três avós para justificar suas ausências. A faxineira, passista de uma escola de samba que se estabelecia naquelas bandas, vinha sempre com uma licença médica para faltar às segundas-feiras pela manhã. Tinha dia que o café não saía, pois as velhas eram de uma mesma igreja evangélica que as ordenava fazerem vigílias juntas no meio da semana, para se expiarem do pecado de fazer café, uma bebida não prevista na Bíblia.
Joaquim costumava reclamar dessa situação com seus mais assíduos fregueses, que, para animá-lo, diziam mais ou menos a mesma coisa:
— Paciência, Joaquim! Você é um homem bom e a Justiça de Deus está vendo seus feitos!
E, assim, as dores de cabeça de Joaquim aumentavam. Tentou aumentar o número de empregados. Colocou uma moça para reforçar no café, uma que diziam ser macumbeira. Não deu certo: ela acabou se convertendo para a mesma igreja das duas colegas. Conseguiu mais uma faxineira, mas era tão lerda que só conseguia limpar metade do salão durante o expediente. A outra, pelo menos, era mais eficiente. Tentou, ele mesmo, assumir os trabalhos de contabilidade e controle das compras e encomendas. Um desastre! Ele mesmo era péssimo em contas e em agendamentos.
Mas, o que era pior de todos, eram os padeiros que ele tinha colocado. Dois irmãos. Eles nunca acertavam no pão! Um dia, esse ficava quase crus. Noutro dia, queimados. O pão já saiu mais duro que o do Sandoval, que, sempre de bom humor, reclamou dessa concorrência, e, tudo isso, sem contar com os atrasos. Um dia, encontraram um rato dentro do pão. Por sorte, esse não fora vendido e o próprio Joaquim se encarregou da fornada nova naquele dia.
Quis contratar novos padeiros no seu lugar. Chegou a anunciar no jornal, mas a freguesia reclamou:
— Seu Joaquim, o senhor é um homem bondoso, não pode colocar esses dois jovens tão bonitos (eles eram mesmo bem-apessoados) no olho da rua. Imagine o que vai ficar nas suas Carteiras de Trabalho!
— Vou colocá-los na faxina!
— E isso está certo, colocar dois profissionais para um trabalho assim? — reclamavam, como se faxina fosse um trabalho secundário.
E seu Joaquim deixava os rapazes no forno. O pão, um dia, saía esfarinhado. Noutro, saiu mole que nem um pão de cachorro-quente. Numa feita, trocaram o sal por açúcar. A única coisa que eles acertavam era que não tinha um só dia em que eles não errassem!
Mas os fregueses ainda insistiam que Joaquim deveria mantê-los. Um dia, eles acertariam!
O problema é que esses mesmos fregueses acabaram voltando à padaria do Sandoval. Lá, o pão podia até ser duro. Mas era o mesmo de sempre: confiável e, com um pouco de boa vontade, mais comestível que o do Joaquim.
E a padaria do bondoso Joaquim começou a definhar e ele teve de tomar atitudes desagradáveis contra a sua vontade e a dos fregueses. Primeiro, demitiu a faxineira lerda. Depois, as mulheres do café. O rapaz da contabilidade foi atrás. Até chegar à conclusão de que ele não estava vendendo mais nada. Todos o apoiavam, insistiam que ele tinha de manter o pessoal, que não deveria nunca demitir alguém, mas ninguém mais queria comprar o pão da sua padaria. Ele era bondoso, todos gostavam dele, mas ninguém queria mais seu pão!
E aconteceu! Sandoval comprou sua padaria. Joaquim ficou feliz, pois passou a trabalhar para Sandoval que, com esse talentoso padeiro, passou a fazer excelentes broas de fubá, bolos de diversas maneiras, inclusive aceitando encomendas, biscoitos, roscas doces e salgadas, bolachas e manteiguinhas, como se chamava, naquele tempo, as brevidades, além de pães maravilhosos. Passou também a vender sonhos e, no Natal, panetones.
O rapaz dos balanços, hoje, está preso por roubar um frango na feira “para comer”, a faxineira passou a limpar a própria escola de samba que não admitia atrasos nem nos ensaios, nem na limpeza, e as três adeptas das igrejas foram expulsas: duas por terem atrasado seus dízimos e outra por ter se casado com o pai de santo que a tinha antes batizado no terreiro.
E Joaquim, sem dores de cabeça, descobriu que o que Sandoval pagava era mais que o lucro que lhe sobrava na padaria.
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