Por: Antonio Rocha Neto*
Eram as últimas duas velas de um pacote. Outras tantas já haviam dele saído, numa viagem sem volta. A maioria delas saia da vista das que permaneciam no pacote, mas chegaram a ver o destino de algumas, que foram acesas assim que retiradas. Queimavam, queimavam, queimavam. A cera, que revestia os pavios, escorrendo, lentamente, até ficarem reduzidas a um pequeno toco e, por fim, uma grossa fumaça, e estava tudo acabado!
Uma das velas morria de pavor de que fosse escolhida antes que sua companheira. A outra, ao contrário, torcia para não ficar sozinha no pacote. E foi justamente ela a escolhida, numa noite em que faltou energia na casa onde viviam, guardadas em um pequeno armário. Foi uma criança quem a tomou nas mãos e riscou um palito de fósforo, acendendo-a, e gritando, radiante:
- Temos luz, temos luz!
Poucos minutos depois, religada a energia elétrica, a criança, desapontada com o fim da aventura, apagou-a, recolocando-a no pacote, para surpresa da vela que ali permanecera, com o pavio ainda virgem.
- Que sorte você teve, amiga! Nunca nenhuma de nós havia retornado para casa! Mas, mais sorte tive eu, é claro, ainda inteira, sem nenhuma deformação, como você está agora! Mas fale aí, como foi a experiência? Doeu muito?
- Não, não doeu nada, nada. Foi uma sensação muito boa! Tão boa que confesso que nem sei como lhe explicar! Tão boa que só mesmo passando por ela para saber. A gente sente um calor gostoso, e este calor vai derretendo o nosso corpo, e a gente sente que é para isto que ele foi feito: para ir derretendo, aos poucos, por causa do calor. Pena que fui apagada, e vi a tristeza no rosto daquela criança que, com tanta alegria, me acendeu.
- Pois agradeço muito sua informação, mas de uma coisa estou bem certa: eu não nasci para isto não! Prefiro ficar aqui, na nossa caixinha, longe deste tal de calor.
Passados alguns dias uma senhora, que devia ser a mãe da criança, pega novamente a vela. Estranho é que não estava escuro, não, como da outra vez. Ela é levada para uma sala cheia de gente, cantando e dançando, mas que, como num passe de mágica, pararam todas para olhar para ela, assim que foi acesa e colocada bem no meio de um lindo bolo, coberto por uma calda de chocolate. Começaram então a cantar uma animada música, até que um senhor, que tinha ao seu lado a mulher e a criança, a soprasse. Todos bateram palmas e o abraçaram, e ela teve vontade, naquela hora, de também ter braços para podê-lo abraçar e agradecer por aquele belo momento!
De volta ao pacote, para surpresa da amiga, contou a nova experiência, sem, mais uma vez, conseguir contagiá-la.
E passou-se um longo tempo, até que uma outra senhora, talvez a mãe daquela que a havia pegado da última vez, talvez a mãe do satisfeito senhor, que a havia soprado, a tirou do pacote, numa manhã fria e chuvosa, e a levou a um local, onde havia pequenas imagens de pessoas, com uns aros redondos nas cabeças, e uma imagem de um homem pregado numa cruz, em posição de destaque, acima das outras. Ela acendeu a vela, silenciosamente, tendo se ajoelhado, com as mãos juntas, diante do peito. E a velha senhora assim permaneceu, até que toda sua cera derreteu e, no fim, no apagar da chama, uma fumaça esbranquiçada subiu para o céu, rumo às nuvens, naquela forma etérea do que sobrou da vela, além do pequeno toco, inerte no altar. Mas a vela, que ali acabou, permanecerá para sempre viva, como um marco na lembrança daquela criança, que pela primeira vez na vida acendera uma vela, na lembrança daquela festa surpresa, com uma vela improvisada, sem forma de número, da qual o dono da casa nunca se esquecerá, e na certeza da graça por meio dela alcançada, na fé da velha senhora que a viu, pela última vez, brilhar.
Assim é. Velas se apagam, no fim. Mas se não for assim, nunca serão aquilo que devem, enfim, ser. Centelhas de luz a iluminar momentos, a matéria-prima de que é feita nossas vidas! Enquanto ficam nas caixas, são coisas esquecidas, e com o tempo se desfazem, envelhecidas, quebradiças, já sem razão de ser, virgens, mas não imaculadas, pois marcadas pelo erro de nunca terem sido velas, afinal. Velas, no fim, se apagam, mas fica seu rastro de luz, por onde puderam passar. Precisam encontrar uma chama, transmutar-se em luz, calor. Velas, são feitas para brilhar!
*Escritor, membro da Academia de Letras de Vila Velha.