Por: Pedro José Bussinger*
Por que o estudo da disciplina ou de conteúdo de história faz parte dos currículos escolares? Qual o sentido em submeter as novas gerações aos conhecimentos de narrativas, registros, fatos e vivências de grupos ou de indivíduos do passado? Voltar aos registros ou narrativas de acontecimentos tem alguma relevância para a formação intelectual de jovens e de adultos? Ou isto está ligado ao impulso nostálgico dos ser humano àquilo que aconteceu?
Para abordar a questão vamos fazer referência primeiramente a uma ciência que estuda a cultura, isto é, à antropologia. Esta ciência tem colocado como escopo de análise e pesquisa, em grande quantidade de trabalhos, as culturas antigas ou mesmo as mais primitivas da espécie humana. O estudo dos seres humanos do passado tornou-se quase um leit motif de pesquisadores em várias escolas antropológicas. Os estudiosos metodologicamente quando analisavam, e ainda o fazem, um grupo étnico qualquer, debruçavam-se sobre os vários aspectos visíveis e invisíveis da cultura em foco, procurando compreender as referências feitas ao passado imemorial, nas linguagens, narrativas e nos registros artísticos, as marcas do que ficou na memória individual ou social. Estes procedimentos revelavam sobremaneira os sentidos das vivências presentes. Com isto não queremos dizer que somente o passado de um grupo cultural seja o mais relevante. Mas o que se guarda, guarda-se para o presente.
Se temos hoje no campo das ciências sociais uma ciência particular como a antropologia que se interessa em ver a cultura como um todo, ou seja, compreender a cultura como um conjunto de traços, instituições, etc, portanto, uma ciência não individualizante, temos também uma ciência de grande prestígio nos dias atuais, a psicanálise, que volta-se para o estudo do ser humano, buscando compreender o indivíduo nos elementos que o constituíram no passado. Mas o passado, diga-se, do indivíduo e não do homem como um ser genérico.
É realmente fantástico que a psicanálise busca desvendar os “mistérios” do indivíduo contidos nos elementos que o sujeito esqueceu, ou parece que esqueceu, em um passado de sua existência. Afirmam os estudiosos desta área que as fases mais importantes da vida de um indivíduo, carregadas de efeitos afetivos, são relegadas a um “compartimento” psíquico altamente dinâmico que interferem quase decisivamente na vida consciente. Deu-se a este lugar dinâmico o nome de inconsciente. Este é considerado importante porque a sua manifestação na vida de um indivíduo vem, muitas vezes, carregada de mal estar ou sofrimento. As vivências emotivas e negativas para o indivíduo manifestam-se sob a forma de neuroses ou sintomas “espiritualmente” doloridos. Coisas ruins, para nós, que nos aconteceram retornam disfarçadamente causando-nos sofrimento.
Estas pequenas e pobres digressões sobre o passado, campo de estudo de duas ciências, querem apenas mostrar como o estudo do passado humano ganhou prestígio científico. Não quer isto significar que o presente e o futuro, as outras dimensões da história, perderam prestígio e relevância no estudo da vida humana. Como ciência o estudo da história adquiriu importância a partir do século XVIII, resultante das complexificações das relações econômicas e sócio-políticas na Europa.
Ao recuperar a memória de uma sociedade, os seus eventos significativos, recupera-se também suas tradições, mesmo que essas tradições passam a ser fortemente rejeitadas. Quando se busca os elementos fundantes de uma tradição busca-se não só conhecer, mas encontrar os sinais que deram ou dão identidade a uma cultura. A identidade cultural de um povo é aquilo que o qualifica como cultura, em suas relações com outras culturas. Essa tal de identidade dá sentido à existência dos indivíduos que habitam como comunidade um determinado território. Sem memória não se tornaria possível projetar o futuro, conforme já aventado sobre a tríplice dimensão da vida humana – o passado, o presente e o futuro.
Sendo assim, estudar a história nos currículos escolares, nos registros, visitar museus, exposições de arte, praças públicas com estátuas, sítios arqueológicos, conhecer as arquiteturas de uma cidade, tem a função de educar os indivíduos para que permaneçam fiéis aos valores da cultura e não permitam que os seres humanos localizados se dispersem e ou a cultura venha a desaparecer. Em uma perspectiva funcionalista podemos afirmar que a memória histórica tem a função de conservação dos elementos ou traços culturais.
Vale afirmar aqui que os indivíduos não apenas sofrem passivamente a influência da cultura mas também são capazes de negar consciente ou inconscientemente os valores dominantes de uma sociedade, apontando novos caminhos. É característica do ser humano afirmar e negar.
*Mestre em Filosofia e Sociedade e Membro do Centro de Apoio aos Direitos Humanos
Nota da redação: Foto da internet “História em Perspectiva”.
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