Por: Guilherme Henrique Pereira*
No Brasil de hoje é impossível uma revolução no sistema educacional e em seus resultados. Situação que permanecerá enquanto se insistir no superado discurso sobre a prioridade do ensino básico. As estatísticas da educação conduzem a esse entendimento, basta um olhar atento para a realidade mostrada por elas. Introduzir a discussão dessa tese é o objetivo desse texto que pretende ser provocador.
A formação acadêmica tem o propósito de formar cidadãos, distribuir o conhecimento, dar acesso à cultura, enfim propósitos humanistas. Mas, também o forte propósito de preparar para o trabalho, produzir riqueza e renda para que cada cidadão possa contribuir para o progresso da sociedade e, ao mesmo tempo, apropriar-se da qualidade de vida daí derivada. Nesse texto, o segundo propósito será o foco considerado para orientar a argumentação. Do ponto de vista dos recursos financeiros e humanos considerados, será útil classifica-los em duas categorias: 1) desembolso para manutenção, recursos para custeio da unidade de ensino e investimentos de pequeno porte destinados para melhoria de qualidade; 2) Investimentos destinados para ampliação e capacitação da rede de unidades de ensino.
Há alguns anos que se faz esforço de ampliação do atendimento nas faixas do ensino fundamental (até 14 anos) e do ensino médio (15 a 17 anos). Na primeira faixa esse objetivo foi praticamente alcançado com a taxa de matrícula atual no patamar de 98%. Daqui para frente o desembolso necessário é o de manutenção. O foco deve ser a melhoria constante de qualidade, cujos avanços até o presente ajudaram no progresso realizado, mas ainda há muito a fazer, sobretudo nos municípios mais pobres.
A segunda faixa, o ensino médio, ainda requer muito mais atenção do que se tem atualmente. Se por um lado observa-se investimentos importantes já realizados, já que a rede existente, em praticamente todo Brasil, oferta vagas suficientes para a população da respectiva faixa etária, os dados mostram elevado nível de evasão e reprovação. Tanto é que a taxa de matrícula (15 a 17 anos na escola) é da ordem de 55%. É assustador o número de jovens que não estudam. Essa é a primeira faixa de estudos com problema grave e que requer um grande esforço de desembolso de manutenção e larga dose de criatividade para vitalizar a escola, baixando os índices de reprovação e evasão.
É sempre necessário ter em mente que o sistema educacional vai da faixa fundamental até a faixa da pós-graduação. Uma revolução na educação que atenda as demandas do desenvolvimento sustentável e os ideais de humanidade terá, necessariamente, que provocar rupturas em todas as faixas. Avançar em uma, como já bem avançado no fundamental, sem correspondência em outra, ou nas demais, desequilibrará o fluxo, e o desempenho desejado não será atingido, como é a atual situação brasileira.
Nas faixas do ensino superior e da pós-graduação é que o Brasil apresenta a situação de maior precariedade. São nelas que se requer profundas mudanças de cultura e elevados desembolsos de manutenção e de investimentos. Uma revolução na educação brasileira só pode ser nessas faixas, justamente porque são as mais precárias, com níveis relativos de atraso mais acentuado, portanto comprometendo o desenvolvimento nacional e o próprio desempenho do sistema educacional em um ciclo vicioso negativo. Defender de forma quase exclusiva a prioridade do ensino fundamental, como faz conhecido senador, admite a interpretação de desinteresse total pela alocação de recursos na educação, já que nesse nível os desembolsos requeridos são agora de manutenção. São as outras faixas que requerem pesados desembolsos de investimento e manutenção. Tal desafio só será enfrentado por aqueles realmente interessados na educação e no desenvolvimento do país.
No ensino superior há 7,8 milhões de alunos matriculados. Os universitários na idade (18 a 24 anos), considerada natural neste nível, representam apenas cerca de 16% da população nessa camada etária. Talvez o mais baixo da América Latina, posto que vários países já alcançaram o percentual de 30% e países da Europa este percentual se coloca sempre acima dos 40%.
O ensino superior privado brasileiro já contribui com 70% das matrículas. O que poderia ser um indicador positivo, porque se poderia dizer que há muitas famílias que podem pagar pela formação de seus jovens, nas condições brasileiras, é na verdade um indicador da miséria da nossa formação universitária. Nem os EUA com nível de renda per capita muito mais elevado e melhor distribuição da riqueza deixou de ofertar percentual tão baixo de ensino superior público. Lá cerca de 50% dos universitários estão matriculados no ensino público.
O ensino privado para sobreviver no Brasil, ou qualquer outro país com características semelhantes de renda e desigualdade, terá que ser noturno e ofertar os cursos de menor custo. Nada contra os bacharelados em ciências sociais, empresariais ou artes, até por conta dos propósitos também relevantes de formar o cidadão, mas do ponto de vista eleito para os presentes comentários, que é o desenvolvimento sustentável, esse viés amplia de forma extraordinária as nossas deficiências. A outra característica de ser noturno, reforça as dificuldades de ofertar cursos que requerem mais tempo de laboratório, de pesquisas e maior dedicação, porque os alunos precisam trabalhar durante o dia para pagar o curso. Alunos, freqüentemente também professores, estão ali como terceiro expediente, portanto, numa atividade que não é a principal, a prioritária para o consumo da quota diária da energia de cada um.
Além do baixo percentual de matriculados no ensino superior, desse pouco, apenas cerca de 13% estão em formação de área tecnológica. Esse viés caracteriza tanto o público como o privado, com razões compreensíveis no privado, mas certamente por falta de política governamental de educação no segmento público. E o pior é que há uma tendência de perda de participação das áreas voltadas para tecnologia e inovação, logo distanciando ainda mais das necessidades de RH para o desenvolvimento sustentável.
A formação de mestres e doutores além de muito recente no Brasil apresenta indicadores ainda piores que os da graduação. O Brasil forma 7,6 doutores por 100 mil habitantes, contra 41 do Reino Unido ou 20,6 dos EUA. Este é um dado de 2014 depois de expressivo crescimento da pós brasileira nas duas últimas décadas. Apesar de seu crescimento expressivo nesse período, do ponto de vista aqui privilegiado, há quase nada a comemorar porque a pós-graduação brasileira cresce acima da média em áreas sociais e perde participação nas áreas que poderíamos chamar de tecnológicas. Mas as fragilidades da pós brasileira serão tratadas em uma segunda parte deste artigo.
Para finalizar essa parte, é importante repassar a nossa tese inicial de que no estágio em que se encontra o sistema educacional, a revolução da educação brasileira só poderá vir se as energias e recursos dedicadas a esse campo de políticas concentrar-se nas faixas do ensino médio e, relativamente mais, nos níveis da graduação e pós-graduação.
*Professor, Economista, Doutor em Ciências Econômicas.
Nota da redação: Foto da internet " Cidadania e Socialismo"