Por: Guilherme Henrique Pereira*
Em texto anterior registramos o nosso entendimento de que uma revolução na educação brasileira – em termos de abrangência e qualidade - só poderá acontecer se ocorrerem fortes intervenções no nível médio, no superior e na formação de mestres e doutores.
O viés adotado para a abordagem é o de avaliar a disponibilidade de recursos humanos para o progresso técnico e, conseqüentemente, desenvolvimento sustentável do país. Mas, também, para implementar melhorias do próprio sistema educacional e no desempenho dos estudantes. Neste último caso, é bom lembrar que muitas pesquisas voltadas para identificar elementos que contribuem para o desempenho do aluno, mostram em posição de destaque o apoio familiar e, em especial, o nível de estudos dos pais.
Dito de outro forma: a formação e o estoque de mestres e doutores em um país tem muito a revelar sobre o suporte para a inovação, logo para o desenvolvimento sustentável. Para os países emergentes, como é o caso do Brasil, é fundamental na determinação do potencial para alcançar os países maduros e que lideram a dinâmica do crescimento mundial. Por esta razão é de muito interesse para formulação de políticas de fomento o diagnóstico da realidade nacional no que se refere à formação de mestres e doutores.
As mudanças de paradigma tecnológico de produção e comunicação, consolidadas na virada do século, estabeleceram demandas diferenciadas - no mundo todo – em conhecimento e em quantitativo muito mais elevado. Um desafio dramático para o Brasil que partirá de enormes deficiências centradas nos pilares de baixa abrangência - apenas 16% dos jovens 18 a 24 anos matriculados no ensino superior - ; e de pequena participação da graduação na área tecnológica.
As políticas recentes de financiamentos e bolsas contribuíram para a inclusão das camadas mais pobres no ensino superior e ampliaram o número de matriculados, mas em taxas insuficientes para redução significativa do atraso relativo.
Na pós-graduação o atraso brasileiro é ainda maior. Nas últimas duas décadas houve uma extraordinária expansão de novos programas de mestrado e doutorado, mas os dados absolutos de titulados e de titulações por ano ainda demonstram vergonhosa distância entre os indicadores nacionais e os dos demais países. As taxas elevadas de crescimento ficaram concentradas nas áreas de ciências sociais, humanas e a “jabuticaba” – denominada mestrado multidisciplinar - . Os números são os seguintes:
1996 2014
Programas de mestrado 1.187 3.620
Programas de doutorado 630 1.954
Um crescimento anual da ordem de 6,45% na média para os programas de mestrado, mas mostrando uma preocupante perda de ritmo, já que nos últimos dois anos o crescimento foi de apenas 4,5%. Não foi diferente para os programas de doutorado, 6,5% de crescimento ao ano, mas sem crescimento nos últimos anos da série, 2013 e 2014.
Dadas as limitações de tamanho para este artigo e, considerando também os seus propósitos, os dados referentes às grandes áreas de conhecimento ditas “Humanas; Línguas, Letras e Artes; Ciências Sociais Aplicadas; e Multidisciplinares” serão agrupados como conjunto 1. De outro lado, “Engenharias; Biológicas, Saúde; Exatas e da Terra; e Ciências Agrárias” como conjunto 2. Um formato arbitrário, porém uma tentativa de mostrar de maneira rápida a tendência de distanciamento ainda maior das necessidades de pessoal mais diretamente relacionadas ao sistema de inovação.
Em 1996 o conjunto 2 representava 69,3% dos programas de mestrado existentes e em 2014 passaram para 52,9%. Se não bastasse a taxa de crescimento modesta dos programas, há uma tendência clara de emprego dos recursos disponíveis em determinada direção. Não permite perceber a existência de uma política consciente de formar pessoal para o grande desafio do desenvolvimento sustentável. Se o estoque e a quantidade de titulados atualmente é muito pequena quando comparamos com outros países, as perspectivas são de atraso ainda maior no futuro, já que a infraestrutura de formação se encolhe em termos relativos.
No caso dos doutorados, verificamos que o conjunto 2 representava em 1996 72% dos programas existentes, caindo essa participação para 60% em 2014. Vale, portanto a mesma conclusão expressada para os programas de mestrado. Pode-se afirmar que a pós-graduação cresce razoavelmente no Brasil, e que tal crescimento está concentrado no conjunto 1, indicando que reduz o atraso nas áreas de humanas e sociais. Dessa forma, é precário para sustentar a competitividade do Brasil no mundo contemporâneo e, seguramente distanciando-se do necessário para reduzir o atraso observado.
Do ponto de vista do número de titulados, pode-se afirmar que houve um crescimento ligeiramente acima do verificado para o número de programas instalados, isto é, houve aumento de produtividade. Em 1996 o Brasil formou 10.482 mestres e em 2014 foram 50.206, um crescimento da ordem de 379% no período. Se consideramos a taxa anual, fica patente a perda de ritmo: 12,9% entre 1997 a 2001 e 5,3% entre 2010 a 2014. Há diferenças significativas entre as áreas de conhecimento, mas na média 30,6% dos mestres titulados seguirão para o doutoramento.
Em 1996 os novos doutores somaram 2.854 e em 2014 16.729, um crescimento no período da ordem de 486,2% ou 15% ao ano. O destaque é o crescimento da área nominada como “multidisciplinar” da ordem de 4011%. Contudo, o que mais preocupa é a perda de velocidade nesse crescimento que caiu para cerca de 8% ao ano nos últimos 5 anos. Quando consideramos os Conjuntos de área de conhecimento, novamente se constata a perda de participação do conjunto 2 de 61,9% dos doutores titulados em 1996 para 51,8% em 2014. Novamente se confirma a ausência de determinação política para o enfrentamento do grande desafio mundial, porém crucial em países que desejam vencer a defasagem negativa em seus indicadores de desenvolvimento, como deveria ser o caso do Brasil.
Na comparação internacional, mesmo levando em conta o número total de doutores titulados, a classificação do Brasil é, lamentavelmente, a antepenúltima no conjunto dos países da OCDE: 7,6 por 100 mil habitantes, contra 41,1 no Reino Unido ou 25,1 na Coréia do Sul. O Gráfico acima ilustra bem a posição brasileira.
Assim, é fácil perceber que uma possível arrancada do Brasil em progresso só será possível mediante uma revolução no sistema educacional brasileiro. E tal revolução só acontecerá mediante uma forte política de formação de recursos humanos a partir do nível médio, mas especialmente no nível superior e de alto nível para a pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
* Economista, Professor, Doutor em Ciências Econômicas.
Nota: Todos as estatísticas utilizadas neste artigo foram obtidas no relatório de pesquisa sobre “Mestres e Doutores” publicado pelo CGEE e disponível em www.cgee.org.br