Por: Marcelo Lima*
Este artigo pretende problematizar as disputas que se encontram em evidencia na sociedade atual em torno da delimitação do que se deve ou não (do ponto de vista da lei) ensinar nas escolas. Metodologicamente, baseamos a pesquisa na análise documental sobre as tentativas de reconfiguração (da prescrição legal) que estabelece o contorno formal dos currículos escolares. Com base em informações (presentes em sítios especializados de redes sociais e de jornais-impresso e da internet) pode-se fazer uma leitura crítica sobre as iniciativas dos poderes executivo e legislativo nacional e local que vem tentando redefinir a composição dos conteúdos de ensino.
A educação é processo de aprender e de ensinar os saberes socialmente necessários para a vida em sociedade. Sua origem se confunde com a origem do homem. O homem se distingue dos demais animais, pois, fundamentalmente, em lugar de se adaptar à natureza, ele tem necessidade de adaptar a natureza a si. Neste regime de transformação da natureza, processo de trabalho, o homem se constitui e se forma como ser social. É por meio do trabalho que o homem constitui sua existência, aprende, ensina e produz cultura.
O movimento da realidade evidenciada na atualidade sinaliza a existência de três conjuntos de ações: a) inclusão e inserção de novos objetivos, conteúdos e disciplinas escolares; b) revisão da base nacional curricular comum (BNCC) por meio de reelaboração de objetivos e finalidade da educação básica objetivando a criação de novas áreas de conhecimento; e, c) a restrição dos contornos do currículo formal e censura ao trabalho docente.
Sobre as tentativas de cerceamanto da atividade docente? Há muito que se dizer. Sobre o trabalho do professor cabem críticas? Certamente, mas a ele ainda falta o devido reconhecimento em termos de condições de trabalho, salário, plano de carreira e formação adequada. É preciso lembrar antes de tudo que o professor tem assegurado pela Constituição Federal e pela LDB a liberdade de cátedra que lhe permite o livre exercício profissional. Além disso, a legislação garante o pluralismo pedagógico e a liberdade de ensinar e de aprender. Os docentes não falam do que não conhecem, eles são especialistas que possuem uma licença (licenciatura) para ensinar determinados conteúdos. E sobre estes saberes cada docente tem uma visão que foi produzida na sua formação e que tem a ver com sua interpretação da realidade e do mundo (que é imperfeita como a de todo e qualquer indivíduo).
Do ponto de vista das ciências da educação uma educação mais adequada se baseia numa relação dialógica entre professor e aluno. Para Paulo Freire a sala de aula não deve ser palco de um monólogo em que alunos são espaços vazios a serem preenchidos com o conhecimento a ser depositado. Por outro lado, o ensino não pode se limitar em reiterar o que os alunos pensam e sabem. As crenças e convicções dos estudantes e ou de suas famílias vão encontrar na escola uma reavaliação constante que deve se basear no conhecimento clássico acumulado. Os saberes da família, da religião e da comunidade ou mesmo da internet, por exemplo, devem ser ponto de partida e não ponto de chegada para o currículo escolar. A educação escolar visa fazer com que os estudantes se apropriem do legado do conhecimento produzido pela humanidade traduzido em sala de aula em saberes escolares e disciplinas. Logo, uma escola que não mude e não incomode o aluno e altere sua forma de pensar é inútil (indolor, insípida e inodora).
Acreditamos que todos os temas podem ser tratados na sala de aula. O posicionamento do professor não deve buscar nem a neutralidade nem o maniqueísmo, mas não será se isentando de opinar que o professor conseguirá formar cidadãos. O docente deve ensinar o que sabe (não o que não sabe) da maneira como lhe aprouver com métodos os mais dialógicos possíveis respeitando o ponto de vista dos alunos para informá-los adequadamente fazendo-os superar suas visões de mundo (senso comum) para que possam construir uma visão crítica de si e da realidade.
O professor não deve se calar diante dos fatos do dia-a-dia. Diz a LDB, a educação básica deve se vincular ao mundo do trabalho e à prática social. O silêncio muitas vezes é uma forma poderosa de manter e reproduzir visões de mundo dominantes, alienantes, equivocadas, intolerantes e preconceituosas. Portanto, o professor deve falar, mas também deve ouvir, pois ninguém forma o cidadão sem uma relação democrática. E como afirma Freire, não há docência sem discência. Então o professor também deve aprender ao ensinar. Neste sentido, a democracia deve ser conteúdo e método de ensino. O ensino não visa gerar seguidores, ao contrário deve produzir a autonomia intelectual e política dos estudantes e não a submissão e para tanto, o professor, como diz Freire, deve influenciar os alunos de tal modo que eles não se deixem influenciar.
Acreditamos que o viés moralista do currículo e a abordagem messiânica sobre o papel da escola visível na proposta da “Escola sem partido” visa desmobilizar e reprimir as iniciativas dialógicas e críticas que vem transformando cada vez mais o espaço escolar em lócus de contestação. Inferimos também que o movimento de restrição da liberdade docente se articula com a tentativa mais ampla de esvaziamento do direito à educação e que a reação da sociedade também deve ser orgânica.
*Doutor em Educação pela UFF; Docente do DEPS-CE-UFES; Membro do PPGE
Nota da Redação: Foto da ilustração na capa da internet.