Por: Ayle-Salassié F. Quintão*
No sufoco de ter o grau de qualificação do seu curso rebaixado pela Comissão de Avaliação do Ministério da Educação, o diretor tirou da algibeira o Projeto de Cobertura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Pequim. Ao ouvir a descrição da proposta, um dos titulares da Comissão pediu, explicitamente, na banca, para ser admitido na experiência. Inseguro ainda quanto à estrutura curricular, o curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília teve a nota 4+ (para um limite de 5), superando na classificação geral cerca de 150 outros no País, entre eles alguns de maior longevidade e de imagem bem mais consolidada no mercado.
O projeto surgira da simples observação sobre o cotidiano dos Jogos. Notícias de medalhistas de ouro chegando bêbados na Vila Olímpica; recordistas mundiais (Isinbayeva) dando entrevista nas arquibancadas; um Usain Bolt conversando com populares no calçadão. Remeto-me aos Jogos de Sidney, Atenas, Pequim, Londres e outros cobertos pelos estudantes, por meio de simples projetos surgidos na universidade e abrigados sob a forma de parceria pedagógica pela grande mídia: Correio Braziliense, Jornal de Brasília, O Popular, Jornal do Brasil, duas revistas, Radiobras/EBC, dezenas de rádios locais e comunitárias, redes lideradas pelas TV Record e TV Brasil e alguns líderes regionais.
Retroajo um pouco mais e me vem ainda à lembrança os 18 meses de treinamento que antecederam a cobertura dos Jogos Olímpicos de 2004, cujos 100 anos de sua retomada na Era Moderna seriam comemorados na Grécia. Intuiu-se organizar uma equipe de estudantes de jornalismo para cobrir o evento. A apresentação do projeto reunira, surpresos e curiosos, 250 professores e estudantes, consagrando a iniciativa. De imediato foram abertos, gratuitamente, aos interessados, cursos de Cultura Helênica, de História dos Jogos Olímpicos, de Língua Grega e Inglesa, seguidos de Seminários protagonizados por profissionais e atletas experientes na temática olímpica. Até o embaixador grego, Andonius Nicolaides entrou na festa. A iniciativa recebeu, entretanto, duras críticas internas, atribuindo-se ao projeto a pecha de uma “aventura de dois professores”: fora dos padrões dos projetos de pesquisa da academia.
Embora detalhado, o projeto , descrito no livro Projeto Clandestino, Editora Otimismo, 2008, de autoria minha e do prof. Paulo Trindade Vieira, era, de fato, uma espécie de plano editorial de cobertura de um grande evento na Grécia com estudantes de Jornalismo. Estava orçado em cerca de U$ 80 mil dólares. A universidade não tinha recursos para bancá-lo e os alunos muito menos. As dificuldades tiveram de ser superadas com parcerias externas e adesões familiares. Dos 220 inscritos haviam sobrevivido apenas 16 e os dois professores.
O obstáculo maior passou a ser o credenciamento de mídia. As vagas eram limitadas por país, havia prazo e uma taxa de US$ 1.000 a ser paga por credenciado. Iria requerer criatividade e um esforço extraordinário junto aos comitês organizadores dos Jogos até na Suíça. Foi aí que surgiu a idéia da cobertura alternativa. Concluímos que era impossível competir com a imediaticidade do noticiário das agencias internacionais e a transmissão em tempo real das grandes redes de TV. Cobriríamos alguns eventos e as ruas, onde circulavam mais de um milhão de estrangeiros . Nas ruas seríamos imbatíveis.
Presumimos que poucos personagens dos Jogos resistiriam passar por Atenas, sem visitar o Partenon; ou por Pequim, sem ir à praça do Tiannamen; ou por Londres, e não circular pela London Tower ou pelo Picadilly Circus. Encerrada cada competição, os atletas e membros das delegações passeavam pela cidade, como os nadadores americanos. Nossos repórteres estariam lá esperando por eles, como urubus. Por segurança, credenciais e até medalhas ficavam às vistas. Não deu outra, entrevistamos campeões mundiais e figuras estranhas aos Jogos como o lutador de boxe Evander Hollyfield, de madrugada, numa boate. Os brasileiros medalhistas foram todos ouvidos na Casa Brasil, onde o grupo era credenciado. Tornamo-nos tão íntimos de alguns que o Rivaldo, no auge do seu prestígio internacional, jogando pelo Panatinaikos, pediu aos estudantes para trazerem uma encomenda para a sua família. A TV Globo chegou a usar material dos projetos. Fomos notícias no Oragia Sport, da Grécia; no Beijing Daily, de Pequim; no The Guardian e na BBC de Londres. A experiência repetiu-se, quebrando resistências dentro dos Comitês Olímpico e Paralímpico da China e da Gran-Bretanha.
Com a ousada iniciativa, abriu-se a possibilidade da flexibilização das regras do COI/IPC para o credenciamento especial de estudantes de Jornalismo dentro das Olimpiadas e das Paralimpíadas. Embora poucos acadêmicos tenham se interessado pela experiência, o projeto foi reconhecido externamente como uma contribuição pedagógica para a desprovincialização profissional e para a formação de uma geração de correspondentes surgida num ambiente multicultural celebrativamente compartilhado. Como universidade, fomos pioneiros e ainda únicos no mundo a realizar a proeza. Todos os que dela participaram, sem exceção, foram logo absorvidos pelo mercado de trabalho e ainda hoje confirmam que a experiência mudou o curso de suas vidas como profissional. O excelente repórter Caco Barcelos percebeu esse espaço vazio e introduziu no Globo Repórter os estudantes de Jornalismo. Faltaria à academia vivência suficiente para lidar com a pulsante e jornalística realidade do mundo?
Jornalista, professor, doutor em Historia Cultural
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