Por: Erlon José Paschoal*
Em minha vida fui testemunha de dois golpes de Estado no Brasil: um em 31 de março de 1964 desferido por militares truculentos em parceria com setores do empresariado e da mídia hegemônica da época que usurparam o poder com violência e ferocidade. Era criança ainda para compreender as dimensões trágicas e nocivas desta aventura ditatorial que durou mais de duas décadas. Esta linha de frente do golpe era formada na ocasião por pessoas truculentas, agressivas, impiedosas e despreparadas para o diálogo democrático.
Agora, em 31 de Agosto de 2016, vivencio um golpe brando, baixo, sujo, cruel, desferido por quadrilhas de bandidos diversos, envolvendo políticos, juízes, empresários e a mídia hegemônica sórdida, manipuladora e mau caráter. Ao contrário do anterior, este golpe foi acompanhado de perto por toda a mídia internacional e por todo cidadão brasileiro que se interessa pelo futuro de seu país, através das redes sociais e das agências de notícias alternativas. Esta nova conjuntura, aliás, faz uma enorme diferença entre os dois golpes, pois a desfaçatez, o cinismo, a hipocrisia e a arrogância infame dos golpistas atuais puderam ser acompanhadas online em todos os seus detalhes, ficando assim registradas para as futuras gerações.
Mas, tendo o golpe se consumado, o que esperar de governantes que assumem o poder desta forma tão hedionda, tão desonesta e tão avessa aos valores democráticos mais elementares? Sabemos que o que chamam de “ajuste fiscal” é apenas um eufemismo para diminuir os direitos dos menos favorecidos – e obviamente não dos privilegiados que se abastecem à farta do dinheiro público – e iniciar um desmanche de políticas públicas voltadas para a diminuição da distância gritante entre ricos e pobres em nosso país. Não se ouve de nenhum dos que se apossaram com tanta avidez do governo propostas ou projetos que visem o bem coletivo, a justiça social, a distribuição de renda mais igualitária ou o desenvolvimento inclusivo do país.
Junto com a desempregabilidade conjuntural que se avoluma, a inflação aterradora e a ameaça de perdas de direitos diversos, crescem os roubos setoriais de cargas, de automóveis, de verbas públicas, de bancos, de ônibus e de estabelecimentos comerciais, entre outros; os crimes hediondos invadem nossas conversas cotidianas e o descaso com a vida dos “apartados” choca corações e mentes. As taxas, tarifas, propinas e impostos de toda ordem continuam insaciáveis em sua gana cruel e indiscriminada. Ao mesmo tempo, o capital especulativo internacional ameaça-nos insistentemente brandindo o chicote da desestabilização econômica. A privatização, vendida novamente como a salvação universal e a cura de todos os nossos males, já mostrou na década de 90 a sua verdadeira face oculta, uma vez que o capital nesses nossos tempos neoliberais assume-se orgulhosamente desumano e pérfido. E a isto tudo se alinham os novos governantes suspeitos em suas reais intenções. Afinal por que fizeram de tudo para usurpar o governo? Com que propósito? Pelo poder puro e simples? Ou há acordos econômicos espúrios que desconhecemos?
Seja como indivíduos, como países ou como planeta, vivemos hoje um momento de profunda transformação: moral, ecológica, econômica, política e ética. Uma nova consciência desponta no horizonte e se faz necessária neste novo século globalizado, no qual se impõem a superpopulação, a falta de alimentos, a reestruturação dos sistemas de produção e do comportamento social, e sobretudo inúmeros desafios. Podemos, é claro, tornarmo-nos completamente insensíveis e indiferentes a eles e a tudo o mais, ou então aceitá-los, priorizando o respeito pelo semelhante e valorizando a vida. Assim, quem sabe, com paciência e alegria, estaremos criando um final feliz para todos nós.
*Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.
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