Por Pedro José Bussinger*
Destutt de Tracy, filósofo e político francês do século XIX, criador do termo ideologia, ao registrar conceitos sobre a educação (instrução), afirmara que na sociedade, necessariamente, existem duas classes de pessoas. Aquelas que sobrevivem tirando suas sobrevivências no trabalho duro, braçal e que dizemos hoje, da força de trabalho possível e aquelas que vivem de rendas de suas propriedades ou dos resultados de suas funções. Acrescento de suas posições. A primeira classe de pessoas seria a executora do trabalho manual e a segunda classe executora do trabalho intelectual ou do “espírito”. A primeira classe operária (trabalhadora) e a segunda a classe erudita.
O termo “necessidade”, registrado pelo autor, indica que as duas classes ocupariam posições sociais “naturais”, algo inflexível, estático, permanente, ad aeternum e que não competiria a nenhuma outra força modificar. Esta compreensão de uma posição fixa de categorias humanas não é nova. No mundo grego a.C. o filósofo Aristóteles afirmara que os escravos, os fazedores de trabalhos braçais, manuais, seriam escravos por natureza. Já está bem informado na História da Filosofia que os intelectuais gregos do período consideravam o trabalho manual como indigno do segmento dos cidadãos.
Destutt de Tracy foi um pensador que viveu em um período de grande influência da filosofia e da sociologia positivista conservadora, que buscavam estabelecer lugares “naturais” para integrantes dos segmentos sociais, no sentido de acomodá-los às funções necessárias e importantes para o sistema de produção em crescimento. Se os fatos sociais são “coisas”, como sustentam alguns representantes da dita sociologia positivista, a tendência em afirmar ou definir posições fixas na tessitura social é feita sem muito esforço. De outra maneira algumas análises de diversos pensadores sugerem o medo de alguns ideólogos quanto ao alcance dos movimentos contestatórios e de resistência de segmentos populares que davam mostra de luta, especialmente quanto às condições de vida e trabalho no período de afirmação do modo de produção burguês. Encontro nas análises políticas de Norberto Bobbio referentes a alguns pensadores modernos indicações neste sentido.
Nos dias atuais também se pensa, observando-se determinadas ações educativas, que segmentos dos trabalhadores ou classes populares, deveriam ser treinados para executar trabalhos manuais ou que não necessitam ou que não exigem longos anos de estudos e capacitação. Determinadas ações educativas “estratégicas” direcionadas aos filhos das classes laboriosas visam treinamento para determinadas ocupações manuais, importantes para o “mercado” e que não exigem refinadas digressões intelectuais. Embora existam também interpretações e ações diferenciadas por parte de alguns gestores as formações mais qualificadas são reservadas aos filhos das classes mais favorecidas. Mesmo que se sustente a educação como um direito de todos.
O pensador em apreço chegara a afirmar que os filhos dos operários (trabalhadores) não deveriam perder muito tempo nas escolas porque o destino deles seria a prática de trabalhos penosos. Mas os filhos das classes eruditas poderiam suportar tempo maior nas escolas porque tem muita coisa a aprender, “para alcançar o que se espera deles no futuro”. Podemos dizer, eles precisam ser educados para serem os novos dirigentes ou governantes na sociedade. Pode-se até afirmar que a mobilidade social, observada e característica na estrutura de classes do Brasil moderno, não confirmam tais afirmações. Mas é o que constatamos em programas de capacitação executados por instituições e anunciados pelas mídias.
As estratégias de instruções instrumentais são destinadas às classes instrumentais. Com isto as formações mais qualificadas são destinadas aos segmentos mais bem posicionados na estrutura de classes. São esses segmentos que ocuparão posições mais rentáveis, doadoras de status elevados nos contextos simbólicos das ocupações. Com isso se faz permanecer e reforçar os lugares “naturais” nas diferenciações das classes. E mais desigual ainda: se reforçam as posições de mando e de direção das classes superiores, educadas para o governo, para a direção das instituições, mantendo sempre as classes populares em posições de submissão, em posições sociais destinas aos dirigidos, aos governados. No bojo das atitudes são reforçados os preconceitos de classe.
Certamente que é necessária a qualificação para o trabalho, mas os conteúdos mais humanizadores deveriam ser destinados de forma igualitária aos diversos segmentos. Nos dias atuais quando se observam investidas dos detentores do poder para a flexibilização das disciplinas de filosofia e sociologia para a formação de segundo grau, temos uma pequena mostra de preconceito ideológico. Apesar de se anunciar o contrário.
*Professor; Mestre em Filosofia.
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