Por Erlon José Paschoal*
Quando se fala em capital e em pecado, imediatamente pensamos em Brasília. Afinal, esta cidade é o centro do poder e das grandes decisões. Somas gigantescas são transferidas de mão em mão, sem que ninguém saiba o seu real paradeiro. Afirma-se que são muitos os culpados e que uma investigação apurada demandaria tempo e muito mais dinheiro, inviabilizando a governabilidade democrática. Pelo que se vê, a patifaria se tornou um jeito de ser, um modus vivendi que possibilita altos lucros e muito prestígio. Há patifes em todas as esferas da vida pública, como se fosse uma praga ou uma pesada herança de nosso processo de colonização.
Suspeita-se muitas vezes que o acerto de contas entre os supostos facilitadores de acobertamentos de liberações e de desmanches de verbas públicas da União, dos Estados e dos municípios, não passa de uma farsa, de uma falácia, tramada com o firme propósito de desviar... a opinião pública dos verdadeiros problemas da realidade nacional. Ou, em outras palavras, se o Brasil fosse uma bunda, a Brasília dos larápios, golpistas, “chefetes de polícia”, vigaristas, “juizecos de primeira instância” e embusteiros não seria o ânus perfeito exalando nossas iniqüidades?
Mas nesse ínterim, muitas outras capitais surgiram, deixando vir à luz toda a podridão e todo o requinte cínico das desvianças, dos investimentos sórdidos e dos discursos abusivos. Neste sentido, Curitiba leva o maior e mais valioso troféu com o power point da desfaçatez e das infâmias nacionais. Ora, é urgente que se coloque à disposição do público políticos genéricos para que a sociedade civil brasileira enfim possa fazer opções menos desconfiáveis. Infelizmente moramos num país onde o maior ladrão acabou sendo o juiz, antigo símbolo da imparcialidade e da retidão de caráter. Em meio a tudo isso, o governo de acordos golpistas com suas diretrizes, que apontam para o desmanche de políticas sociais, substitui gradualmente as cestas básicas pelos bolsões de miséria, embora seus porta-vozes não se cansem de afirmar que os números provam que estamos crescendo, apesar de todas as evidências contrárias, as mazelas cotidianas e aberrações oficiais.
Que capital terá a preferência do público no quesito “o gato comeu”? A São Paulo das merendas fantasmas ou a Salvador dos bancos bem econômicos? A Maceió dos coronéis e dos desmanches ou a Porto Alegre das falcatruas e dos atrasos salariais? A Belo Horizonte dos aeroportos e dos helicópteros brancos ou o Rio da narcoelite e dos politraficantes ? Em todo o caso, apesar de todo esforço, Brasília é a maior e a mais completa. Lá temos de tudo: de senador laranja a especuladores do dinheiro público; de procurador perdido a desviador encontrado; de cínicos profissionais a amadores mascarados; de canalhas corruptos a corruptos canalhas. Há opções para todos os gostos, e entre podres e carcomidos, poucos se salvam. Assim, é bem provável que depois do advogado PCC assumir o cargo máximo, muitos políticos, empresários, juízes, delegados, cartolas, ex-ministros, procuradores e policiais fundem o PCO, partido do crime organizado, com um capital inicial de fazer inveja a qualquer instituição financeira além de, obviamente, combaterem com firmeza o crescente crime informal e defenderem a legalidade.
Mas agora, com toda sinceridade: o caixa dois existe mesmo? Ou será uma ficção inventada por contra-revolucionários indignados com o último salário mínimo? De fato, ao contrário do programa de governo proposto para oito anos, nossos dirigentes golpistas atuais acabaram agindo mais como um governo de programa. Sem ideais, sem senso de justiça social, sem valores morais e sem caráter.
Os emergentes acometidos, em meio aos seus casebres e cortiços, pela síndrome da classe econômica, reagiram de maneira diversa, até se juntarem em grupos. De grupos já se formaram mais de “sem”, “sem” de todos os tipos, de remédio à moradia, passando pela terra e pela escola. Não é para menos, são a maioria: o crescente contingente de submoradores e subcidadãos. E que Deus os guarde, pois na lógica bandido golpista predominante eles serão sempre uma rocha no sapato. Muito embora todos saibam que o ideal mesmo neste nosso país tão desigual, seria a fusão dos “com tudo” com os “sem-nada”, afinal nada mais moderno, nada mais inteligente. Mas a fim de mascarar a realidade dura e cruel, e ambicionando dissimular tudo isso, o jornalismo calhorda, torpe e mau caráter se incumbe de enfeitiçar a população com versões fantásticas da realidade.
Será possível que as sete capitais eliminem o pecado, sejam quais forem, e passem a valorizar o respeito ao próximo e os direitos do cidadão? O governo golpista federal continua fazendo linha de impedimento com os sem-terra, os sem-teto e os movimentos sociais, e vista grossa para com os sem-vergonha. De novo o congresso se agita e, a altos brados, nos defende dos gatunos e dos impostores de plantão.
Mas que pecado é esse, afinal? Será o desemprego? Nesse item um grande contingente da população criado pela crise atual deliberada encontra-se numa luta desesperada pelo seu lugar ao sol! Será que sem um governo golpista haveria menos pecado? Menos cobiça? Menos falta de caráter? Menos ganância? Menos luxúria? Menos soberba? Menos inveja? Menos infâmias?
A economia oficial continua a nos pregar peças e a confundir nossa escala de valores e nossa percepção da realidade. Os salários congelam, os preços se aquecem, as bolsas se irritam, os mercados explodem, o dólar hesita, os impostos reagem firmes, os juros se agigantam turbulentos e a âncora cambial fica puta! Sabemos que os interesses são diversos e que a solução definitiva proposta pela famigerada PEC dos golpistas não tardará em chegar.....assim afirmam os arautos do ajuste fiscal.
Enquanto isso, nesta disputa acirrada entre a oferta e a procura.... para quem será mesmo que torce a imensa maioria? Existirá de fato um sucateamento da empregabilidade, uma corrupção ativa, um peculato passivo e uma desviabilidade passiativa que precisam ser investigadas? Sem esquecer obviamente a pirataria ministerial e os loteamentos clandestinos de verbas públicas. Ora, enquanto o governo pagar votações favoráveis com jantares requintados e deputados pré-datados, e nós todos aceitarmos os maiores descalabros oficiais como fatos naturais, não daremos o passo tão necessário para o nosso crescimento ético e espiritual.
Nestes mais de 500 anos de sucessos e independências, de avanços e quedas, de golpes e retrocessos, é preciso parar e refletir sobre o que realmente pretendemos para o futuro: se um país conflitante repleto de crises e disparates sociais, ou se um país mais justo e mais humano. Ainda há tempo para escolher e mudar o curso da História, para assumir responsabilidades e lutar por um mundo sem tantas capitais repletas de pecados. Que lutemos todos então!
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.
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