Erlon José Paschoal*
É assustador constatar como nosso país tem andado para trás em um galope desenfreado e suicida, seja no tocante à desconstrução da democracia ainda em seus primórdios, seja no desmanche de direitos civis e de setores da economia nacional erigidos com muita luta e muito esforço por grande parte da população. Dos grandes objetivos coletivos passamos à defesa dos interesses individuais, mesquinhos e sectários que lesam os bens comuns. Da Justiça para todos passamos à perseguição obsessiva, partidária, doentia, infame, arbitrária e ditatorial levada a cabo por pequenos inquisidores peças-chave de um golpe ainda em curso. Do combate à corrupção passamos à corrupção em combate contra seus supostos adversários....
Cenas de terror horripilantes e falcatruas escandalosas já fazem parte do cotidiano de nossas melhores famílias. Em inúmeras câmaras municipais e assembleias legislativas parece que uma mão suja a outra. O povo jurado de salário-mínimo vive entre a miséria e a diversão teleguiada. Em muitos casos escabrosos - os vários bilhões oriundos da Petrobras, Banestado, Furnas e grandes construtoras, por exemplo -, o governo simplesmente aplicou a lei do joão-sem-braço, do “os culpados são eles”, afinal nossos juízes em conluio com a mídia golpista e mau caráter assim o afirmam. Os mandantes dos preços, por sua vez, continuam agindo livremente, seja no que está restando das estatais, seja nos grandes conglomerados privados, perpetuando assim o sequestro inflacionário que amplia cada vez mais os grupos dos “sem” e agiganta descaradamente a classe dos destrabalhadores e dos deletados, concentrando riquezas e capitais em uma velocidade aterradora.
Está se tornando até mesmo normalidade protelar pagamentos e parcelar rendimentos mensais deixando ainda mais inseguros aqueles que ainda têm um emprego. Ocorre de fato uma verdadeira inadimplência de obrigações legais, pois o mínimo que um trabalhador espera é um salário no final do mês! A par disso, correm soltas a grilagem das aposentadorias, a proliferação de políticos laranjas, os sequestros relâmpagos e a partilha de cargos fantasmas. Nesse contexto todos se perguntam: o que esperar de um país onde se falsifica e se rouba até merenda escolar?
Nossos oráculos da economia usam todos os argumentos possíveis para nos convencer de que um aumento indecente do salário-mínimo pode até mesmo quebrar o governo. De que investimentos permanentes em educação, saúde, cultura e ciência e tecnologia representam “gastos” excessivos que precisam ser “cortados”. O curioso é que nas contas do governo não são computadas as clonagens de verbas públicas, nem as rachaduras e infiltrações nos orçamentos, nem o mensalão indecente do judiciário com seus salários astronômicos, e muito menos o desvio institucionalizado de dinheiro público no legislativo.
Nosso mordomo de vampiro golpista continua fora de si com seus belos discursos cheios de otimismo vazio e frases mesoclianas requintadas. Seus porta-vozes se especializaram numa verborragia retórica arrogantemente distante da realidade. Segundo eles, por exemplo, não houve aumento de desemprego, mas apenas uma “retração momentânea da empregabilidade a espera da retomada do crescimento”, nem aumento de preços, apenas uma queda para cima de valores de alguns produtos. É preciso estourar o cativeiro dos assalariados, fazer uma ressonância magnética em todas as contas públicas, reavaliar a tal dívida pública, identificar a banda P(odre) das classes dirigentes e criar uma política de empregos séria e eficaz, levando em consideração sobretudo os subempregados e os excluídos. Sem isso, não há plano de crescimento econômico que dê certo.
Será esse apenas um traço patológico do capitalismo nesse momento de retorno às origens com o neoliberalismo e que se manifesta na obsessão pelo crescimento veloz e descomedido, na ânsia destruidora e corrosiva por vitórias e conquistas, doa a quem doer, e na opressão abusiva dos desabrigados e excluídos? A pesquisadora inglesa Margarete Lok, num de seus ensaios, afirma que nos tornamos tão obcecados pelo conhecimento racional, pela objetividade e pela quantificação que sentimos extrema insegurança e indecisão ao lidarmos com experiências e valores humanos. A crença cega nas pesquisas, nas percentagens, nos índices, nas tabelas, na âncora cambial que afundou a taxa de juros pelo excesso de gordura, deixando vir à tona o déficit público, faz de todos nós joguetes nas mãos dos donos do poder e dos veículos de comunicação mal intencionados.
A hegemonia capitalista neoliberal imposta pelos países ricos através das instituições internacionais e dos conglomerados de empresas multinacionais desconhece quaisquer valores éticos e qualquer compaixão pelas culturas ameaçadas de extinção. Essa economia de mercado do salve-se-quem-puder acaba enobrecendo algumas de nossas predisposições mais execráveis e antissociais, tais como a cobiça material, a competitividade desleal, o ódio, a soberba, o egoísmo, a gula, o autodescontrole, a mesquinhez, o cinismo e a ganância nua e crua.
Que o bom senso e o bem comum prevaleçam neste momento difícil da História de nosso país.
*Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.
Nota da redação: ilustração obtida na rede social, charge de Lotti, publicada em Zero Hora.
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!