Por Ricardo Coelho dos Santos
O mundo dos negócios, inclusive a indústria do cinema, segue uma máxima de Confúcio: “A primeira vez é sorte, a segunda é coincidência e, a terceira, vale a aposta”.
Um trabalho de crítico de cinema não está somente em divulgar a qualidade dos filmes ou em revelar seus pontos falhos, mas, também, em chamar a atenção no que uma obra difere das demais, podendo se tornar clássica. E é dessa seara que muitos críticos temem. Quando Clint Eastwood era o auge das fitas de ação, muitos escreveram em suas colunas que ele não sabia atuar e que seus filmes eram de péssima qualidade. Hoje, é um ator e diretor celebrado por quase a totalidade dos críticos e podemos afirmar que sua obra pouco evoluiu, não piorou e ele se tornou um clássico, tanto no que faz hoje como no que fazia outrora. E assim podemos citar um rosário de obras que hoje são clássicas, mas na época faltaram ser apedrejadas. Isso não é um privilégio do cinema, mas de tudo que se pode ser chamado de arte. Não quero me alongar nisso, mas podemos simplesmente dizer que Mozart e Strauss não eram bem os queridos da época.
Também, elogiar quem tem cara de cult é outro risco. Muitas vezes, pela obra agradar a um determinado crítico influente ou por dar prazer a um grupo intelectual, se aplaude um filme chato, pesado e sem sentido. O que vou dizer vai enterrar a minha curta e modestíssima carreira de crítico: o filme “O Guarda-Costas” (“Stay Hungry”), de Bob Rafelson, aplaudido, cultuado e tudo o mais, é o pior filme que já assisti na minha vida. Apesar do bom elenco formado por Jeff Bridges, Sally Fields e um novato Arnold Strong, que teve de ser dublado por causa do seu forte sotaque austríaco, e hoje conhecido como Schwarzenegger, esse filme de 1976 foi pavoroso, sem pé nem cabeça. Com todo respeito ao diretor que realizou algumas obras primas como “O Destino Bate à Sua Porta”!
Então, acabei com minha carreira! Mas, se esse texto não for jogado fora, quero prestar aqui meu elogio a um novo diretor, chamando sua atenção à excelente qualidade dos seus filmes. Se eu não for enforcado, poderei dar informações semelhantes no futuro, falando bem ou mal de outros filmes.
Quero me referir ao jovem Neill Blomkamp. Não falo de uma pessoa minimalista dos que filmam tudo dentro de uma sala somente e crê ter feito uma obra prima. Se bem que alguns conseguiram fazer uma obra-prima desse jeito, mas, creiam, é o tipo de filme mais barato e difícil de se fazer. Não é fácil, como muita gente supõe.
Também não é um diretor que dá as costas a problemas sociais. Na verdade, ele esfrega a pobreza e a marginalização comuns na sua África do Sul para toda a sociedade e, surpresa, esses problemas estão aqui, também, no Brasil e, quem sabe, em outros lugares do mundo que escondem a poeira debaixo do tapete.
Dirigiu três longas metragens, todos sucessos de público e crítica. Creio que, aqui, quem precisou de sais começa a respirar sossegado. Nesse pequeno conjunto, ele consegue misturar favelas com naves espaciais, robôs e muita violência, tanto física como psicológica. Sua ficção científica não é asséptica, mas cheia de lixo, pobreza, miséria e uma trama que não nos deixa a menor pista do que está para acontecer adiante e ainda nos faz pensar daquela condição humana que não queremos enxergar!
Comecemos com “Distrito 9”, produzido pelo amigo Peter Jackson, em que mostra a vida em uma favela composta por extraterrestres perdidos na Terra, mais exatamente em Johanesburgo. Tráfico, disputa de poder com outras favelas, incômodo das classes sociais mais favorecidas e outros problemas sociais e policiais se misturam em um perfeito equilíbrio num conto dignamente kafkiano. O próprio Blomkamp foi um dos roteiristas e contou com um elenco novo e impecável capitaneado por um surpreendente Sharlto Copley, que nos revela como o sotaque sul-africano é diferente! O filme recebeu quatro indicações ao Oscar e ainda conquistou o Prêmio Ray Bradbury, concedido a roteiros de ficção científica.
Em seguida, temos Elysium, com um orçamento quatro vezes maior e um elenco irrepreensível, composto por Matt Damon, Jodie Foster, Sharlto Copley — mais uma vez com seu forte sotaque sul-africano —, mais o mexicano Diego Luna e os brasileiros Alice Braga e um surpreendentemente bom, supimpa, fantástico Wagner Moura. O roteiro continuou sendo de Blomkamp, relatando todo o sofrimento causado com a segregação social gerando distanciamento e negação a direitos primários. Os críticos de Donald Trump vão apreciar a obra.
O terceiro filme é o visceral CHAPiE, também roteirizado por Blomkamp, com o mesmo Sharlto Copley no papel do robô que dá título ao filme, mais um elenco perfeito, pouco conhecido, com duas pontas honrosas: Sigourney Weaver e Hugh Jackman. Uma mistura tão forte de questões sociais atuais e futuras que nos incomoda, a ponto de esquecermos que o filme é quase todo rodado sob um complexo conjunto de efeitos especiais. Mas, como nas obras anteriores, os lixos reais e sociais não são esquecidos.
Portanto, fiquemos atentos ao seu próximo trabalho: “Distrito 10”!
Fonte: Wikipédia
Nota da Redação: figura da ilustração obtida na Rede Social.