Aylê-Salassié F. Quintão*
Quem estiver apressado para ter um Brasíl melhor, não espere por Temer. Construa-o por si mesmo. O conselho vem de quem sabe das coisas, Snowden, o hackeador da Casa Branca. Uma das premissas é perceber que “a natureza da riqueza mudou”, conforme lembra o economista francês Thomas Pikety, cujas teses sempre assustam os pouco criativos e os ortodoxos da economia. Ele parece ser um dos primeiros a perceber esse processo de rompimento com os modelos dados a partir do liberalismo e do socialismo.
Seguindo seu raciocínio, observa-se que, no Brasil, dos 12 milhões de desempregados e um déficit fiscal de R$ 170 bilhões, caminha para o fim dos latifúndios e dos latifundiários, dos perdulários e dos grandes industriais. Eles estão sendo substituídos por empreendedores, por uma nova indústria imobiliária; e por tecnologias digitais entranhadas em todas as atividades produtivas ou não. O capital que comanda isso é o especulativo, portanto escritural, virtual e volúvel. Representa três vezes o montante do PIB mundial: US$ 270 trilhões que circula soberano pelo mundo. Nessa revolução, o Estado centralizador, gastador, gerador de emprego e, por extensão, de corrupção, vai se encolhendo diante das adoções e reformas, por meio de concessões e de parcerias.
É um quadro com impacto direto no sistema produtivo, que, no Brasil, começa a dar sinais de obsoletismo. Por aqui, sempre faltou capital e um fluxo constante de inovações. O Brasil chegou muito tarde às novas tecnologias, cujas importações são com frequência interrompidas para engrossar reservas. A falta de modernização do sistema produtivo conduz há tempos uma perda de produtividade. Em consequência, a competitividade baixa, e deteriora as relações de troca comerciais. O panorama tende a se agravar, na medida em que o endividamento aumenta e a capacidade de investimento diminui.
A PEC 55 (241), se aprovada e cumprida com o rigor, contribuirá para reforçar o quadro anacrônico (velho) que gerar. Dela espera-se que, ao recuperar instituições e recompor a plataforma econômica, seus efeitos possam significar uma mudança de rumos para a economia brasileira, e aí emergir um novo surto de crescimento. De imediato, parece que os gestores querem matar a saciedade dos “sanguessugas” do Tesouro. Concomitantemente, esforça-se para que o Estado não venha a perder a sua capacidade de induzir o desenvolvimento, embora seus agentes – BNDES, Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Companhia Vale do Rio Doce - não estejam no momento em condições de assumir a responsabilidade. Os recursos repatriados, que deveriam recompor os ativos das empresas saqueadas, estão sendo parcialmente redistribuídos aos governos estaduais quebrados, que, certamente, os usarão para pagar salários de máquinas inchadas, mesmo sabendo que o consumo sozinho não conseguira fazer o setor produtivo reagir.
Nesse cenário, realizou-se dia 22 (segunda), a primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) no governo Temer. O CDES é constituído de lideranças empresariais rurais e urbanas e representações da sociedade civil reconhecidas para opinar sobre os rumos políticos e econômicos do País. O penúltimo encontro aconteceu com a Dilma já nos estertores do seu governo. Ao contrário dela, que distribuía privilégios fiscais, Temer quer retira-los. Ele pretende rever tudo: as contas dos estados, as desonerações das empresas, a previdência, a reforma trabalhista (CLT), o sistema tributário. Está preso às opções de “recolocar o sistema nos trilhos” e interromper a queda dos índices da economia.
Com a maioria dos 96 conselheiros do CDES cabisbaixos, Temer foi cauteloso, ao defender as reformas consideradas necessárias. Apenas sinalizou que pretende recuperar para o sistema tributário os recursos que fluem para os setor privado nas desonerações, superiores hoje a R$ 220 bilhões anuais, e condenadas na Organização Mundial do Comércio. Eles são necessários para conter o déficit fiscal de R$ 140 bilhões previsto para 2017. Evitou assustar, porque quer a volta dos empregos. Milhares de segmentos e empresas encontram-se em estado pré-falimentar ou com tendência a reduzir ao mínimo sua produção, o que agravaria mais o quadro do mercado de trabalho.
O governo deverá facilitar a vida daqueles que se propuserem a reativar os negócios e a restabelecer ou criar novas oportunidades de trabalho. Tarefa difícil. Vai pesar a omissão tecnológica e o pragmatismo desanimador, expresso em ações oposicionistas sistemáticas em favor do caos. Nesse ambiente de descrença, se fosse fácil empreender, esses 12 milhões de desempregados e situações familiares complicadas já não precisavam mais das empresas, nem dos empregos. Na reunião do CDE, Temer foi instigado a usar a autoridade de Presidente da República, aproveitar a baixa popularidade e a sua maioria no Congresso, para acelerar as mudanças econômicas, quase na marra. Foi aplaudido com entusiasmo. Ele precisa de um norte. Não basta a heterodoxia do Pikety.
*Jornalista, professor, doutor em História