Por Delano Câmara
Feriado prolongado, chuva que não para nunca, a gente dentro de quatro paredes sem poder sair e, à evidência, o primeiro dia útil tem cara de segunda feira e sensações daquela lombeira, aquela preguiça, própria de dias assim. Melhor morrer? Ler revistas antigas, assistir Tv?
Hoje, nessa monotonia toda, posso imaginar daqui você abrindo a boca enquanto me lê, se é que ainda não me pôs de lado para fazer coisa mais interessante. Se isto ocorre, não tiro sua razão. Hoje eu acordei assim, nada bem, tomado assim por uma amargura qualquer de se sentir inútil, e nestes quarenta e poucos minutos em que estou olhando meio abobalhado para o computador nada me ocorre que se preste a motivo para a croqueta que escrevo aqui de vez em quando.
Já rebusquei essas coisas velhas que se acaba guardando inadvertidamente pelos cantinhos da lembrança, e nada. Já li velhos artigos que escrevi, lembrei da carta que recebi de um amigo desolado que está se separando da mulher, e concluo que escrever sobre isso não vai dar certo: pelo que me conheço, vou acabar concluindo, sem qualquer conhecimento de causa, que a culpa da separação é dele, que ela não merecia aquilo, etcétera e tal e, com essa mania que tenho de sempre defender as mulheres, acabo perdendo o amigo.
Do jeito que estou, se nada escrever, talvez eu acabe perdendo essa boquinha que arrumei no Debates em Rede. Mas também pode ocorrer que o pessoal da rede nem perceba que estive ausente, e aí fica tudo como antes, porque cronista é igual a bandido que só ressurge da sombra quando faz suas incursões no mundo do crime. Do mesmo modo é o cronista: só se apercebem dele quando aquele leitor fiel telefona e pergunta ao editor pela crônica de fulano, e só então o pessoal da rede dá pela coisa: “Ué, fulano não escreveu esta semana?”
Melhor é ser o titular daquela coluna diária de jornal que, quando não sai, todo mundo dá pela falta. O leitor já pensou por exemplo, se amanhã não sai a coluna do seu autor preferido ou outras que tais, e o que não vai ser da rede social? Mas se meu nome não aparece, ninguém dá mesmo falta. Por isso acho que errei quando me apaixonei pela crônica, embora tenha sido nela que depositei tantas e tantas coisas das quais hoje me ocupo e pela qual tenha eu podido trazer para o papel e hoje para as tela de computador as ilusões desses anos todos em que tenho vivido.
Decididamente, hoje me falta assunto. Já procurei, daqui mesmo de onde estou, andar mentalmente pelas ruas, olhar crianças, vê-las ansiar e perceber que elas vão aos poucos descobrindo coisas que poderiam se prestar a motivo de minha crônica, mas é tudo inútil. Já liguei para amigos, confidenciei alguns segredos com duas ou três mulheres confiáveis que conheço e até já me pus, por mais de meia hora, diante do edifício onde estou morando para observar o entra e sai das pessoas. Por acaso hoje estou com forte pendor para coisas tristes e – quem sabe? – acabo encontrando um rosto marcado pela angústia e daí escrevo alguma coisa igualmente triste?
Tudo em vão. Parece que nessa noite que passou alguma fada boazinha andou espalhando um pozinho de felicidade pelos meus vizinhos e – diabos! – estão todos sorrindo. A minha – parece – é a única cara amarrada do prédio, e tanto certamente ocorre porque eu não acredito em fadas.
Vou em imaginação por lugares onde nunca andei, a corações por onde mercadejei alguns momentos de amor e me vejo até bebendo conhaque naquele bar meio sujo, dia desses, com o olhar perdido nas pessoas e sem ter com quem conversar. Tudo inútil: não vejo porque falar da praia onde me vi, em imaginação, e nem do colo dessa ou de outra mulher no qual um dia possa ter me deitado. Os bêbados do bar também não me interessam: mais duas ou três doses e me torno um deles e aí acabo falando de mim mesmo, o que não me agrada.
Sem assunto, melhor mesmo é parar por aqui. Mesmo porque daqui a pouco você vai descobrir que a falta de assunto está me assaltando, deixa a rede de lado e fico eu aqui com a sensação de que estou ficando louco e falando sozinho.
O gentil leitor certamente vai pensar que se sair de rede, buscar assuntos mais modernos e até apagar o computador estará me castigando por não ter o que escrever, certo?
Errado, meu doce e caro amigo: você me leu até aqui e a crônica, como vê, já acabou...
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