Por Erlon José Paschoal*
Numa época em que convivemos diariamente, através das redes sociais virtuais, com conceitos como amigo e comunidade, seria muito pertinente uma reflexão sobre a amizade e os sentimentos e valores que agrupam as pessoas. Sobretudo nesta nossa época de ódios fáceis, de preconceitos pueris, racismos e misoginias a granel e fetiches de pessoas embrulhadas para presente.
Na internet podemos formar incontáveis redes de amigos trocando as informações mais diversas, compartilhando aspectos da vida íntima e socializando ideias. É uma ferramenta eficiente e até há pouco inimaginável na vida social, que possibilita a aproximação constante com parentes e amigos distantes e o contato com novas pessoas, cujos interesses comuns podem favorecer boas “conversas” por meio de textos sempre circunscritos a um pequeno número de caracteres. Seria talvez a amizade virtual uma forma de comunicação com um forte potencial de solidariedade, uma vez que torna quase familiares pessoas de círculos e mundos diferentes? Ou tudo não passa de uma grande farsa encenada pela sociedade fundada no consumo desenfreado de novidades e inovações as mais diversas e em tempo recorde.
Segundo Zygmunt Baumann, o interesse maior nestas conexões de amizade está em serem fáceis de nos livrarmos delas: basta deleta-las. Diz ele: “Imagine que o que você tem não são amigos online, conexões online, compartilhamento online, mas conexões off-line, conexões reais, frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Assim, romper relações é sempre um evento muito traumático, você tem que encontrar desculpas, tem que se explicar, tem que mentir com frequência, e, mesmo assim, você não se sente seguro, porque seu parceiro diz que você não têm direitos, que você é sujo etc., é difícil. Na internet é tão fácil, você só pressiona "delete" e pronto, em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso mina os laços humanos."
A amizade é uma mescla de familiaridade, afeição e compromisso ético. Por isso os amigos são tão importantes, afinal representam as nossas escolhas, as nossas afinidades eletivas elaboradas ao longo da vida. Nesse sentido, a amizade virtual pode ser sincera e intensa, do mesmo modo que a amizade na vida real pode se tornar com o tempo algo superficial. Tudo depende de como utilizamos as novas tecnologias: se a serviço do aprofundamento das relações humanas ou como uma forma vazia de ocupar o tempo e construir falsas ilusões. De qualquer modo é fundamental a presença do gesto e do olhar, do corpo e de suas emoções. Algo que será sempre imprescindível. Guy Debord, em “A Sociedade do Espetáculo”, já nos alertou a respeito enfatizando que “a vida nas sociedades, nas quais reinam as modernas condições de produção, apresenta-se como um imenso conjunto de espetáculos". Neste sentido, a espetacularização, os simulacros e as verdades encenadas passam a ganhar o primeiro plano e a se impor como “realidade”.
Para muitos pensadores o principal ingrediente da amizade é a conversação. A personagem do conto “Uma Amizade Sincera” de Clarice Lispector confessa que “depois da conversa, sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos.” Na conversação entre amigos cabem as brincadeiras, os assuntos pueris e os mais íntimos e sérios. Em sua obra “Sobre a Amizade” o filósofo latino Cícero pergunta: “Há coisa mais doce do que poder falar com alguém como falamos a nós mesmos? De que valeria toda a felicidade do mundo se não tivéssemos quem com ela se alegrasse tanto quanto nós?”
Em uma conhecida fábula indiana, Budha responde a um discípulo que a amizade nada mais é que uma bengala forte e segura, um apoio e um auxílio para se atravessar o Rio da Vida sem receio de escorregar. E termina esclarecendo que a amizade, como a bengala, deverá ser bem cuidada, para que nunca se deteriore e não apodreça, pois uma amizade é algo vivo, que necessita de cuidados para não morrer.
As novas tecnologias abrem novos caminhos e novas possibilidades de comunicação e nos confrontam, ao mesmo tempo, com o imenso desafio de nos tornarmos mais humanos. Quem sabe, fortalecendo ainda mais os laços afetivos que nos unem a outros seres humanos.
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.