Por Delano Câmara
Estou meio atordoado e aflito: acabei de cometer uma pequena infração de trânsito e ao meu encontro vem, apito na boca e bloco de multas na mão, uma bela e jovem guarda de trânsito. Não penso que fiz nada grave: afinal, sinais amarelos se ultrapassam todos os dias e, na minha idade, penso ter fortes argumentos de que os meus reflexos já não andam lá essas coisas. Talvez um pequeno sermão, algumas palavras mais ou menos duras e saio daqui perdoado.
À medida em que ela se aproxima fico ainda mais confuso: não sei se mantenho na boca o sorriso amarelo, se salto do carro e bato continência ou se lhe dou dois beijinhos na face. Não – concluo – melhor continuar ao volante e manter essa cara de tacho característica de todo contribuinte. Não me lembro agora de nada melhor para sensibilizar as pessoas.
Ela me pede os documentos e eu prontamente a atendo. Ela os manuseia, olha para mim com um olhar desconfiado e repentinamente desvia os olhos para uma freada brusca que um motorista mais afoito do que eu aplica do nosso lado. Vira as costas para mim, comanda ao afoito que prossiga viagem e novamente me planta o seu olhar muito severo, mas não me dirige uma palavra sequer.
Cinco ou seis minutos já se passaram e eu aguardo pacientemente a minha sentença. Mas já tive tempo suficiente para ver que é uma moça muito bonita. Eu a vi de frente, de lado e, mercê do meu afoito colega, também de costas. E que costas! Mas não devo e nem quero pensar nessas coisas tolas. Afinal, sou um infrator e ela uma agente da autoridade. Depois, com essa evolução dos tempos modernos, ela pode ter escondida uma maquininha de ler pensamentos, principalmente os sórdidos, e aí o seu grosso bloco de multas não vai sobrar para punir nem a metade deles.
O tempo passa e ela continua a examinar meus documentos. Imagino daqui que debaixo daquela farda há um lindo corpo de mulher e dentro daquele peito, que parece tão inflexível, um coração abobalhado e tolo que vai se desmanchar quando encontrar meu olhar de cordeiro em final momento.
São só toleimas, velho Delano – penso comigo mesmo. Ledo engano seu – repito para os meus próprios dentes, nada vai lhe acontecer. Nisto, recebo um papelzinho avermelhado e uma severa advertência:
- “O senhor tenha a bondade de prestar mais atenção da próxima vez.”
Ela me manda embora e eu, aborrecido, obedeço.
Droga! Ela bem que poderia ter me apanhado em delito mais grave, mas de 38 em uma das mãos, um pé de cabra na outra e na cabeça uma meia velha de mulher, como nos velhos tempos. Por que se caio na besteira de usar os meios modernos, de paletó e gravata e sentado na cadeira da superintendência ou na sala da diretoria de alguma estatal – de resto – monótono nos dias em que vivemos – corro o risco de cair nas nãos de alguma delegacia federal especializada onde só circulam armários vestidos de preto e não ver mais você aparecer...
Ou talvez, quem sabe, na audiência com o juiz, com um pouco mais de sorte, ela já despida agora daqueles trajes formais de trabalho, sabidamente compareceria à audiência com trajes amenos e aí eu poderia avaliar melhor as suas curvas, cheirar melhor o frescor de sua juventude e olhar com mais vagar o castanho dos seus cabelos que o quepe da guarda municipal covardemente esconde.
Ah, doce sedução da carne, aflita ilusão do amor! Infrações de trânsito talvez não as cometa mais, a não ser que minha fada madrinha, no calar da noite, ausculte nos escaninhos do seu trabalho o dia, a hora e o lugar do seu plantão. Talvez com uma mera freada brusca você venha ao meu encontro e eu, feliz, talvez a veja de novo! Mas sem o bloquinho nas mãos, pois uma só advertência sua já terá valido a pena...
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