Por Ricardo Coelho dos Santos
Greisco Rimen da Silva era talentoso, mas com vários problemas causados pela sua modestíssima origem.
A primeira dificuldade foi seu nascimento. Sua mãe deu a luz aos quinze anos. Fã de bailes noturnos e de antigos desenhos animados, não consegue ter ideia de quem foi seu pai. Ele nascera com cara de pobre e, para se encontrar bons empregos que dependam de entrevista, feições pessoais contam muitos pontos. Não adiantou ao coitado do Greisco ter feito sua Escola Técnica terminando sempre em primeiro lugar em todas as matérias. Ele era pobre, sem pai, filho de mãe ignorante e com uma aparência que não lhe foi nada feliz.
Seu primeiro emprego foi de jardineiro numa casa elegante. No Espírito Santo, jardineiro quer dizer lavador de carro, carregador de compras, cuidador de cachorro e, como se mostrou de boa confiança, acabou sendo também babá do filho único dos patrões.
Mesmo com tantos atributos, que ele até agradece por tê-lo tirado da sua casa, continuava se dedicando aos conhecimentos gerais. Numa feita, tirou do lixo (colocar o lixo pra fora também entrou na sua lista de tarefas), uma revista de receitas daquelas que a gente compra nas bancas, não lê e, depois de algum tempo, decide descartá-la. Era sobre pizzas.
Ele, até então, conhecia pizza como um disco de massa sem gosto com um queijo qualquer e uma cobertura de linguiça, ovo cozido, milho verde, ervilha, presunto, tomate, requeijão (sempre chamado de “Catupiry”) e, em alguns lugares, batata palha. Não gostava de comer esse troço, mas, quando saía com a família, essa era a escolha que todos faziam e ele perdia por votos. Acabou se convencendo com o dito da sua avó, largada do marido: “Pizza é tudo a mesma coisa!”.
Pela revista, não era. E ele se interessou e, um dia, preparou uma Pizza Margherita para os patrões, que gostaram. Essa foi a dica: ele poderia dar um passo a mais na vida, sendo pizzaiolo.
Procurou uma pizzaria na Praia da Costa. Como ele tinha cara de tudo na vida, menos de italiano, e com sotaque adquirido em Ataíde, muito diferente de um bom sotaque paulista, o máximo que ele conseguiu numa pizzaria era ser faxineiro. Bem que lhe ofereceram ser motoboy, mas ele não tinha carteira de motociclista. Disseram até que isso não seria empecilho, mas, mesmo assim, ele recusou. Nunca andara de moto na vida e tinha medo de tentar. Medo, não. Pavor! Aceitou, assim, um emprego que lhe pagava pouco mais que a metade que antes recebia.
Como a melhor forma de abraçar uma oportunidade é ficar por perto dela, seu dia chegou. O pizzaiolo, Giovani (seu nome era João Zucco, mas Giovani lhe dava mais status) acabara morrendo da coisa mais envenenada que existe no estado: beijo de mulher casada. Dizem que tem gosto de chumbo quente e cheiro de pólvora seca. O dono da pizzaria queria passar o encargo principal para os ajudantes de cozinha, mas esses tinham sido limitados a cortar os ingredientes para a composição do prato. Nosso herói Greisco tomou a massa das mãos de um rapaz e fez aquela que ele aprendera fazer numa velocidade grande e uma presteza impressionante. Preparou ainda o molho e colocou quantidades diferentes de ingredientes para cada pizza solicitada.
Eis que a casa ficou cheia. Ele transformou aquela pizzaria, já famosa, num espetáculo. Inventivo que era, criou ainda molhos especiais que fez os clientes que pensam que sabem o que seja uma pizza esquecerem do catchup, da mostarda e da maionese. E quis fazer mudanças.
Por exemplo, uma pizzaria na Praia da Costa que não servia uma pizza decente de camarão ou mesmo uma de sardinha era algo inconcebível. Mas tinha que falar com o dono antes de colocara ideia em prática.
O proprietário reclamou. Falou que não queria mais trabalho e que pizza de sardinha não era consumido em pizzaria alguma e que isso lhe daria prejuízo. Ele insistiu dizendo que essas seriam pizzas “gourmet” e que esse título é sempre muito atrativo. Pizza de champignon, por exemplo, quando se coloca o dobro da quantidade de cogumelos, ou quando se acrescenta um shiitake, vira gourmet, bem mais cara. Pizza de Calabresa, outro exemplo, quando feita de linguiça comum é só uma Pizza de Calabresa. Mas, quando se adiciona a verdadeira linguiça calabresa e ainda mozzarella de búfala, fica algo que muitos entendidos escolhem para impressionar as namoradas, antes de colocar uma cobertura generosa de maionese por cima.
Então, ele começou pela Pizza de Camarão Gourmet. Já havia Pizza de Camarão, feita com a moqueca que sobrava de um restaurante do mesmo proprietário. A nova pizza seria com camarões assados ao azeite com alecrim, num processo que ele chamou de ROBS, de “Rosemary and Oil Baked Shrimp”. Só a explicação do que era ROBS fez muita gente preferir esse prato. Bem que havia aqueles que diziam que camarão era tudo igual e se recusavam pagar mais por isso, mas houve bastante gente que resolveu apreciar de fato essa novidade, e aprová-la, assim como os que consumiram a pizza com meia garrafa de catchup e latão de cerveja.
Depois do sucesso, veio a Pizza de Sardinhas. A história foi a mesma. Sucesso total. Ele ainda as chamou de “CiOS”, de “Canned in Oil Sardines”. Muito chique! Dizem que até um fornecedor quis adotar o título.
O salário aumentou e ele criou a Pizza Portuguesa Gourmet. Levava linguiça 3S (de “Special Smoked Sausages”), sardinhas CiOS, ovos cozidos, pimentões e tomates frescos, colocados na hora de servir, e não levava mozzarella.
Pronto, sucesso garantido. Suas pizzas saíram até nos suplementos dos jornais das sextas-feiras. Mas ele quis criar mais.
Levou ao seu chefe novas criações, como o Calzone de Mortadela, a Pizza Quatro Estações, a Pizza de Alho e Manjericão, também sem queijo, e a Pizza Siciliana, de massa grossa e carregada na linguiça apimentada. E queria ainda colocar uma salada de entrada, incluída no preço das Pizzas Gourmet. O proprietário reclamou. Disse que o que ele já tinha feito estava bom, que manter a pizzaria estava dando muito trabalho e que para manter o lucro ele tinha de contratar mais pessoas, o que é sempre um aborrecimento e uma dor de cabeça. O lucro estava bom o suficiente para ninguém ter mais preocupações. Chega de ideias!
Como Greisco insistiu, o patrão perdeu a paciência e o mandou embora!
A pizzaria perdeu mais que metade dos clientes. Parou de vender tanto. Mas, para alívio do patrão, não tinha mais tantos empregados, não havia tanta trabalheira para mantê-la e os lucros, ainda baixos, eram sempre superiores aos prejuízos. Bastava, para isso, desempregar um ou outro. Os rapazes da cozinha, pelo menos, mantinham a pizza bem perto daquilo que seu mentor ensinara a fazer.
Greisco foi visto em Venda Nova do Imigrante. Sua pizzaria estava chamando tanto a atenção que muita gente saía da Praia da Costa para consumir as pizzas de lá. Com ainda uma excelente carta de vinho, um serviço de vans foi estabelecido. O preço das pizzas era alto mas incluía as vans e ainda uma caipirinha como aperitivo. Mesmo assim, o lucro pelo volume de vendas era alto. Lhe perguntaram como as coisas começaram na nova cidade e ele disse que ofereceu sociedade ao dono de um restaurante local, com o dinheiro que ele economizara e sendo o chefe da cozinha. O sócio aceitou, mas, ao lhe perguntar quais seriam as pizzas que ele ia apresentar, indagou:
— Pizza de socol? Mas por que fazer uma pizza de socol?
Greisco hoje é pai de Luigi, de olhos azuis, fruto do seu casamento com uma bela italiana de lá!