Por Anaximandro Amorim*
Depois daquela viagem, eu nunca mais encarei uma autoestrada. Foi no dia 07 de setembro de 2009. O dia em que eu fui interrompido. Não que não tivesse mais viajado. Alguns trechos mais curtos, outros, nem tanto, porém, sempre acompanhado de alguém... e do medo. Este, aliás, foi um indesejado passageiro de tantos anos até então. Pois só quem já passou por um trauma sabe o quanto ele pesa na bagagem ou ocupa no banco de trás.
Ter um trauma, porém, é mais que ter um simples medo. É como um obstáculo enorme, difícil de galgar. É uma pedra pesada, quase que impossível de ser retirada. Não é "frescura" ou "falta de fé" ou "desculpa". É mais forte do que a gente. É algo que paralisa, que descontrola sem antes mesmo fazer perder o controle. A vida passa como um filme em que o vilão parece sempre vencer. O roteiro, no entanto, vai até o clímax. O desfecho fica pendente.
Eu, no entanto, sempre fui o meu próprio protagonista. E não podia deixar o filme sem final. Foi um longo período. Mas, no fundo, a gente sabe quando está pronto. A gente sabe a hora de galgar o obstáculo, de arrancar aquela pedra. Eu soube quando consegui entrar no carro de um amigo, para uma viagem no interior de São Paulo, quando não senti mais medo. Na verdade, não senti mais nada. Nem me lembrei daquela viagem. Só ao final me dei conta de uma única coisa: estava pronto.
Havia prometido para mim várias vezes que pegaria uma estrada. Tive algumas oportunidades e muita gente se ofereceu para ir comigo. Não há coincidências nesta vida, no entanto e, assim, fui sozinho. Era para ser. Fiz questão de passar pelo local do acidente. Fui convidado para um programa de literatura na cidade de Linhares, a 140 km ao norte de Vitória. Parece pouco, mas, para alguém que precisa superar um trauma, qualquer distância é longa o suficiente. Tão longa quanto um reencontro, no mesmo local: havia sete anos que não ia à casa da minha avó.
Tenho certeza de que posso dizer que superei o trauma. Nunca vou me esquecer do acidente, que deixou marcas indeléveis no meu corpo e no meu coração. Sim, ao passar pelo local, o filme começou na minha cabeça. Só que, desta vez, ele não se interrompeu no clímax. O vilão foi vencido: eu continuei a viagem, cheguei até o destino e voltei. Só não acho que ele ainda chegou à cena final. Quero refazer o mesmo trajeto de 2009, quando ia para as montanhas. Sinto que posso. Hoje, a bagagem pesada do medo já não me pesa mais.
*Advogado e Escritor, publica também em www.anaximandroamorim.com.br
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