Por Túlio Bambino
Em breve todos poderemos ser Daniel Blake
O calor cru de uma realidade cada vez mais certa.
Ainda com a música “City of Stars” na cabeça e os olhos azuis de Emma Stone assombrando meus sonhos, encarei a busca pelo mais novo (filme) de Ken Loach do momento: Eu, Daniel Blake. Esse, é um Diretor Inglês legítimo dos anos 60. Filmes políticos e dramas sociais como Terra e Liberdade e o episódio da coletânea de curtas sobre 11 de setembro, em que 11 diretores foram reunidos para falarem da tragédia ocorrida um ano antes, a coletânea foi lançada em 2002, e Ken Loach faz um episódio dedicado a um outro 11 de setembro, ocorrido em 1973 no Chile: a queda de Allende e a subida truculenta ao poder de Pinochet.
A trama do filme é simples, um operário, o Daniel Blake em questão, recém infartado precisa correr atrás da renovação de seus benefícios trabalhistas e luta contra uma potente burocracia contemporânea, fria e informatizada. Ele, analfabeto digital, usa um telefone CDMA e tem um lápis 6B como impressora, durante sua jornada, conhece uma mãe solteira com seu casal de garotos na mesma situação e assim começa a luta. Os burocratas leram Nelson Rodrigues e buscam com rigor deixar as ideias de Kafka para trás e em breve terão um misto de O Processo e a Metamorfose declarando que apenas Mosquitos e Baratas com mais de um metro e oitenta de altura poderão se aposentar.
Ainda usando as imagens de Matrix, a pílula vermelha entra forte no sangue durante a projeção desta fita inglesa. O filme tem som naturalista e se tem uma música além daquela que o próprio Daniel Blake colocou para tocar em sua sala, sinceramente, eu não lembro. As cenas são fortes, mas mesmo assim, prestando bem a atenção, Daniel sofre no INSS inglês em um tempo de algumas semanas, pouquíssimos meses. Sabemos que um João no INSS aqui de terra brasilis pode sofrer da ordem de anos.
Ao final da projeção o travo na boca não é doce, sim o Fora Temer apareceu miúdo ao fundo, logo sufocado por um grande Fora Todo Mundo! Será mesmo que estamos optando mais pela pílula vermelha da realidade em detrimento da azul felicidade oferecida e alertada por Morfeus? Bem, aguardo ansiosamente por mais misturas de sonho e realidade na tela prateada nesses tempos de calor e maçarico inebriante. Com a chegada do Homem Laranja não irão faltar pílulas de ambas as cores no mercado.
Vamos em frente!
*É carioca, filho dos anos 60. Graduado em Física na Universidade Federal Fluminense e em Cinema pela Universidade Estácio de Sá. Lutou Judô e sabe tocar bateria.
tmbambino@hotmail.com