Como foi possível que o país se deteriorasse tanto em tão pouco tempo? Mesmo os golpistas, paneleiros e patos verde-amarelos mais inveterados não acreditavam que isso seria possível. O desmanche veloz de setores estratégicos da economia e dos direitos sociais, culminando com a aprovação de projeto de terceirização generalizada da mão de obra, deixou surpresos até quem supostamente acreditava que com a saída da presidenta democraticamente eleita, o país voltaria a crescer, os maus seriam castigados, a esquerda seria exterminada e todos viveriam felizes para sempre. Bem, talvez o lado bom desta história seja o fato de que toda a quadrilha que planejou, executou e apoiou o golpe tenha sido desnudada, a indecência tenha sido mostrada e a “suruba moral, ética, política e econômica do Jucá” tenha ficado às claras, mesmo para o mais incrédulos. Um navio à deriva na condução do qual todos os dirigentes se mostram obcecados por seus próprios interesses, pouco se importando se ele vai afundar ou não.
Enquanto isso, os noticiários foram se enchendo de carnes podres e estragadas deixando vir à tona a ponta de mais um iceberg ligado à vigarice organizada. Agora resta descobrir se o papelão utilizado na fabricação de diversos produtos não era também falsificado. Será que num país onde impera a impunidade seremos então todos culpados? A par disso o jornalismo manipulador e mau caráter não se cansa de difamar e caluniar pessoas e entidades ligadas à oposição, à justiça social e a projetos políticos mais coletivos e inclusivos. A todo momento vemos na TV pequenos inquisidores fraudulentos e despreparados proferindo toda sorte de banalidades. Adelmo Rossi resumiu bem esta aberração: "O que esse golpe da tríade judiciário-ministério-público-polícia-federal também nos ensina é a precária formação intelectual dessas categorias. Basta ouvi-los falar e se nota logo o apego ao estereótipo, à superficialidade, a total ausência de consistência crítica, de conhecimento histórico. A corrupção nesses órgãos deve começar nos concursos públicos. Como foi possível passarem em provas para ocuparem os cargos que ocupam?"
Ao mesmo tempo, as falências e o desemprego seguem velozes o seu curso ascendente. Junto com a desempregabilidade conjuntural crescem também os roubos setoriais de cargas, de automóveis, de verbas públicas, de bancos, de ônibus e de estabelecimentos comerciais, entre outros; os crimes hediondos invadem nossas conversas cotidianas e o descaso com a vida dos “apartados” choca corações e mentes. As taxas, tarifas, propinas e impostos de toda ordem continuam insaciáveis em sua gana cruel e indiscriminada. Ao mesmo tempo, o capital especulativo internacional ameaça-nos insistentemente brandindo o chicote da desestabilização econômica. A privatização, vendida como a salvação universal e a cura de todos os nossos males, vai aos poucos mostrando a sua verdadeira face oculta, já que o capital nesses nossos tempos neoliberais assume-se orgulhosamente desumano e pérfido. O descaso e o desprezo dos governantes usurpadores com o patrimônio público têm chocado até mesmo lideranças estrangeiras que não entendem como seja possível existirem em um país continental como o Brasil pessoas tão vis, tão sórdidas e tão irresponsáveis no trato com as conquistas sociais e econômicas das últimas décadas.
Uma vez que educar e estimular a formação e o senso crítico é algo que não interessa à grande parte de nossas famigeradas elites, os padrões televisivos acabam prevalecendo e influenciando descaradamente o comportamento e as opiniões das pessoas. Perde-se assim a possibilidade de vislumbrar os vários lados das questões e, sobretudo, de se tomar consciência da hedionda divisão social, já que a verdade acaba sendo quase sempre relativizada pela manipulação das imagens. A unilateralidade inevitavelmente gera doenças físicas e espirituais; por isso vemos hoje a destruição sistemática do meio ambiente, tudo em nome do progresso e do crescimento econômico, e assistimos perplexos ao embotamento e à neurotização do homem numa sociedade calcada cada vez mais na disputa, no ódio pelo Outro e na concorrência desleal. A lógica do capitalismo informatizado e onipresente visto agora com lente de aumento no país demonstra uma certa afinidade com sistemas totalitários obsoletos e que aparentemente já foram para o lixo da História.
O governo de bandidos golpistas já devidamente delatados implementa as chamadas reformas, os chamados ajustes fiscais, as chamadas PECs do fim dos tempos, visando agradar aos ricos e aos coronéis, às indústrias e ao capital financeiro, aos bancos e aos privilegiados em geral, aos intermediários e aos comparsas e parceiros. Enfim, um desastre incalculável para a maioria da população.....Afinal quanto tempo será necessário para reconstruir o país depois deste desmanche generalizado perpetrado pelos bandidos golpistas?’ Para piorar, o governo golpista se nega com todas as forças a assumir a sua função de Servidor Público. Neste contexto, o golpe executado por bandidos da pior espécie escancarou a podridão oculta na vida brasileira enaltecendo atitudes infames, desrespeitosas, agressivas e preconceituosas.‹
Num dos contos de Jorge Luis Borges, o futuro é descrito sem governos, pois caíram em desuso, obrigando os políticos a buscarem profissões mais honestas: alguns foram bons cômicos, outros bons curandeiros.....Até lá, vamos nutrir a esperança de que o bom senso prevaleça e as grandes decisões sejam tomadas com base em valores éticos universais. É o que cada vez mais se exigirá de todos nós nestes tempos de mudanças e transformações profundas no planeta e na organização da vida humana. Que nossa capacidade inesgotável de reverter o Mal nos demonstre - genericamente falando – que ainda temos remédio!
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.