Por André Ricardo Valle Vasco Pereira*
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) elaborou um estudo sobre a situação fiscal dos estados (http://www.poder360.com.br/wp-content/uploads/2017/04/A-situa__o-fiscal-dos-estados_FIRJAN-2017.pdf). Aqui no Espírito Santo o documento foi abordado pelo jornal eletrônico Século Diário (http://www.seculodiario.com.br/33835/8/espirito-santo-e-o-quinto-estado-do-pais-em-gasto-de-qualidade) como uma demonstração de que o governador Paulo Hartung (PMDB) está fazendo caixa para gastar no último ano do mandato. E que o discurso usado por ele até este momento, ou seja, o de que encontrou as contas em péssimas condições e teria, obrigatoriamente, que fazer um duro ajuste, não corresponde à realidade. Isto está baseado na percepção, por parte da pesquisa citada, de que os dados do Espírito Santo são muito bons, mas faz poucos investimentos, enquanto o Ceará, que se encontra na mesma situação, consegue gastar mais.
Em primeiro lugar, é preciso fazer uma leitura crítica do estudo. O estado do Rio está em péssimas condições. Todavia, a administração local não interrompe os benefícios fiscais que concede aos empresários. Outros estados também estão em dificuldades e o tema entrou na agenda do país. A FIRJAN aproveita a situação para elaborar uma análise que permita oferecer propostas de intervenção para além do caso específico do RJ, no formato de uma proposta geral em política econômica, e que simplesmente não toca no grave problema do uso de recursos públicos para beneficiar as empresas. Vale notar que não estou falando de corrupção. Este aspecto faz parte do problema. Mas a questão de fundo é o conjunto de medidas governamentais, na forma de isenções de impostos, perdões sistemáticos de multas e dívidas, treinamento de mão-de-obra com recursos públicos para fins privados, obras e concessões (como desapropriação de terrenos) variadas bancadas pelo Tesouro para atender a certas firmas, financiamento com juros abaixo do mercado por parte de agentes públicos, etc. E que fique claro: tudo isso feito tanto em épocas de vacas magras, na forma de intervenções anticíclicas (é o discurso que se faz agora), como nas épocas de vacas gordas.
O estado do Rio quebrou por uma combinação de queda do preço internacional do petróleo, da paralisação do pré-sal e dos investimentos gerais da Petrobras por conta do escândalo da Lava Jato, pela corrupção de sua elite dirigente e pelo uso sistemático de políticas públicas em benefício das empresas, sem o devido retorno em termos de um crescimento da arrecadação pelo estímulo à atividade econômica. Ou seja, o poder de Estado financiou as empresas, que embolsaram seus lucros, ou melhor, os desviaram para o mercado financeiro, já que nenhum governo recente do Brasil alterou a prática de juros altos.
O estudo da FIRJAN é concluído com a elaboração de um ranking da crise fiscal pelo qual se demonstra que Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro estão em péssima situação (alto gasto com pessoal, dívida elevada e graves problemas de liquidez em decorrência do elevado volume de restos a pagar sem cobertura de caixa). “Na outra ponta do ranking, os cinco estados em melhor situação fiscal combinaram gasto com pessoal e divida baixos. A diferença entre eles esta na opção em sustentar elevado investimento, no caso do Ceara, ou reforçar o caixa, nos casos de Pará, Amapá e Espírito Santo” (p. 5).
Em 2016, a média dos investimentos nos estados foi de 5,3% das Receitas Correntes Líquidas. O ES despendeu 4% (abaixo da média nacional, portanto). 15 estados ficaram acima da média (inclusive o RJ) e o CE atingiu o índice mais alto, com 11,1%. É por esta razão que o documento classifica o ES no grupo dos que reforçaram o caixa.
Desde o início do mandato de Hartung, seu governo tem sofrido críticas pela via da esquerda, em particular pelo pesquisador Sammer Siman, e pelo movimento sindical, no sentido de que sua desculpa não poderia ser sustentada, ou seja, que havia recursos suficientes que poderiam evitar ou diminuir o forte ajuste de contas. Tais leituras foram descartadas como sinônimo de embate político. Agora, a pesquisa da FIRJAN confirma que o ES vem economizando recursos. Todavia, a abordagem da instituição também é, como qualquer uma e inclusive esta aqui, politicamente orientada.
A entidade patronal defende que os estados quebrados recebam empréstimos bilionários da União e possam renegociar as dívidas atuais, suspendendo juros e amortizações por até seis anos. Ela condena o aumento de impostos. Em seu lugar deve ocorrer um “amplo programa de privatizações, concessões e venda de ativos” (p. 7). As previdências estaduais devem passar por aumento de alíquotas de contribuição, dos segurados (servidores) e patronal (poder público estadual). Quer dizer, as empresas não devem pagar mais impostos, mas os Tesouros e os funcionários podem ser punidos (diminuindo, por exemplo, a massa salarial para o consumo). Por fim, os estados devem ter déficit primário zero, acompanhado da eliminação dos restos a pagar sem cobertura de caixa (despesas que são transferidas para o ano seguinte exatamente para maquiar as contas). Logo, não se pode gastar mais do que se arrecada e nem usar truques contábeis para empurrar dívida para frente.
Nada é dito sobre o enorme volume de recursos públicos que foram desviados para as empresas, transferidos ao mercado financeiro de forma legal ou ilegal, pois todos os grandes esquemas de corrupção funcionam por meio da intermediação de agentes internacionais, como ficou claro no escândalo do HSBC ou dos Panamá Papers. A FIRJAN faz sua leitura seletiva do neoliberalismo: privatizações e ajuste fiscal duro nas contas dos estados, mas tudo isso financiado pelo poder de Estado (a União). Ser neoliberal com o caixa dos outros, é fácil.
*Professor Doutor do Departamento de História/UFES
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