Por André Moreira*
Após a divulgação das gravações de conversa entre Joesley Batista, presidente da JBS, e Michel Temer, o governo ilegítimo vigente no Brasil está por um fio. O atual presidente aparece oferecendo dinheiro pelo silêncio de Eduardo Cunha. Em coletiva à imprensa, Temer tentou desqualificar a situação, mas confirmou a existência do encontro e o conteúdo do diálogo divulgado, porém alegando haver cortes na gravação.
Aliás, é sempre bom lembrar que Michel Temer entende serem “normais” pedidos como aqueles do áudio. É o que nos revelou o episódio da tentativa de interferência do ex-Ministro Geddel Vieira Lima numa decisão do IPHAN da Bahia em favor de uma construtora. Na ocasião, o presidente ilegítimo reduziu a importância do fato, dizendo ao denunciante e, então Ministro da Cultura, Marcelo Calero, que “a política tem dessas pressões”.
Sobre o conteúdo não negado das gravações, há, no mínimo, prevaricação (como inclusive reconheceu o Conselho Federal da OAB) por parte de Temer ao se mostrar de acordo com as propostas apresentadas pelo empresário. A partir daí, até as mídias defensoras do presidente ilegítimo, como Globo e Veja, passaram a considerar a possibilidade efetiva de seu afastamento, pelos crimes de responsabilidade descritos no art. 85 da Constituição.
O problema é que o afastamento de Temer não encerra a crise política em que fomos lançados desde o impeachment de Dilma Rousseff. Pelo contrário, a solução expressa no parágrafo único do art. 81 da CF, a eleição indireta, tem a possibilidade de aprofundar dramaticamente a crise a invés de resolvê-la.
Os maiores defensores dessa saída são, obviamente, os próprios deputados e senadores investigados pela Lava Jato, além de outros endossatários menos explícitos.
O problema da eleição indireta é que, além de ela ser “indireta”, para viabilizá-la é necessária uma lei específica para prever, dentre outras formalidades, as condições de elegibilidade, o tempo e as regras da votação e até uma forma de campanha eleitoral propriamente dita.
Várias alternativas foram aventadas neste sentido. A primeira foi ressuscitar uma norma do período da ditadura, a Lei 4.321/64, que, no entanto, foi revogada por incompatibilidade pelo Ato Institucional nº 16/1969, que com a promulgação da Constituição de 88 também perdeu eficácia.
Como a Lei 4.321/64 foi revogada e uma nova lei não foi ainda aprovada pelo Congresso, estamos diante de uma lacuna legal, que poderia ser suprida por uma lei ordinária aprovada por deliberação da maioria simples dos deputados e senadores, nas suas respectivas câmaras. Mas em se tratando de matéria eleitoral, a edição desta lei para uma eleição a ser realizada antes de um ano da sua publicação estaria em desacordo com o art. 16 da CF, que cuida do princípio da anterioridade da lei eleitoral.
Outra saída apontada seria que o STF, diante dessa situação, supriria a lacuna legal, o que ocorreria na forma de uma declaração de inconstitucionalidade por omissão, já que o STF não pode agir de ofício. A atuação do STF, neste caso, se daria no bojo de um mandado de injunção ou de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Essa decisão, se tomada via mandado de injunção, extrapolaria o limite do instituto; a não ser que se considere que a eleição indireta teria como finalidade imediata a garantia de direitos fundamentais, o exercício da soberania ou dos direitos inerentes à cidadania. E a eleição indireta, no meu sentir, é mais precisamente, ao contrário disso, uma exceção à prevalência desses direitos.
Também é inviável o uso da ação de inconstitucionalidade por omissão, já que a decisão proferida pelo STF não criaria a norma legal necessária, mas apenas se resumiria a dar “ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias” (art.103, §2º, da CF e do art. 22, da Lei n.º 9.868/99). Nesse caso, voltaríamos ao ponto inicial, pois a norma legal expedida pelo congresso em cumprimento da decisão do STF também violaria o art. 16 da CF.
É óbvio que o STF poderia determinar a superação do óbice da anterioridade para este caso. No entanto, além desse princípio ser uma garantia de segurança jurídica (sendo ele mesmo um direito político fundamental, portanto), ninguém ignora o inconveniente de deixar que os atuais deputados e senadores, como Rodrigo Maia e Romero Jucá, deliberem sobre uma eleição indireta. Esses senhores certamente o farão na defesa de seus interesses particulares, de seus mandatos e de sua liberdade pessoal.
Portanto, a saída que preserva o princípio da moralidade no exercício dos mandatos públicos e que não fere os demais princípios e valores constitucionais passa, neste momento, pela consulta direta ao povo, em uma eleição a ser aprovada através da PEC do Deputado Miro Teixeira, que altera o parágrafo único do art. 81 da CF para prever eleições diretas para o caso de dupla vacância da presidência até seis meses antes do final do mandato. Prevista em emenda constitucional, a eleição direta seria realizada de acordo com regras eleitorais já vigentes, não sofrendo, portanto, as restrições do princípio da anterioridade eleitoral.
Por fim, àqueles que insistem na ideia de que uma eleição direta seria um golpe, afirmo que não se pode sustentar que em uma eleição decidida pelo povo, o detentor do poder constituinte originário violaria a constituição. O povo todo será sempre melhor eleitor que o parlamento e a eleição direta vai ao encontro dos valores constitucionais da supremacia da vontade popular, da autodeterminação dos povos, assim como os princípios democrático e republicano autorizam e privilegiam sempre a saída mais democrática.
Por isso, sem qualquer sombra de dúvidas, eleições indiretas nunca mais. Diretas sempre!
*Advogado
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