Por Ricardo Coelho dos Santos
Imagine você, caro leitor ou leitora, com sua namorada ou namorado, num cinema, assistindo a seguinte sequência de um filme: o personagem pobre pede, nos fundos de um restaurante de comida italiana, alimento para ele e para sua amada. Ele era um pedinte já conhecido do gerente e dos empregados. Ela, não; era uma aristocrata! Quando o gerente viu que ele trazia uma parceira, coloca uma mesa, num beco, com toalha, oferece o seu melhor espaguete e ainda toca e canta uma bela canção. Sem querer, o casal se beija e ela abaixa a cabeça, envergonhada, mas feliz. Ele, então, lhe oferece a última almôndega do prato. Para uma pessoa tão pobre, maior presente não poderia haver.
Há de o leitor pensar que esse seria um filme romântico, daqueles da década de 1930, quando os Estados Unidos, sofrendo com a quebra da Bolsa, se voltou em torno de valores pessoais e familiares, que são sempre enaltecidos em filmes românticos que podem ser tanto belos como insuportavelmente piegas. Mas estamos tratando mesmo é de um desenho animado de 1955: “A Dama e o Vagabundo” (“Lady and the Tramp”) e a cena relatada se trata, na opinião de muitos críticos, como uma das mais românticas já produzidas.
Infelizmente, muitas das obras feitas para crianças é vista com enorme preconceito. Mesmo no Brasil e em particular no Espírito Santo, onde o Hino à Bandeira Nacional e o Hino do Estado foram obras feitas para estudantes! Porém, devemos lembrar que cultura lembra a palavra “oculto”, e tudo que é culto guarda significados ocultos. E é sobre isso que devemos prestar atenção. Podemos ver um romantismo tocante em cenas de desenhos animados como a citada, assim como em “Wall-E”, de 2008, quando a robô EVA tenta reanimar o nosso herói nas cenas finais ou na dança de “A Bela Adormecida” (“Sleeping Beauty”) na floresta, cantarolando Tchaikovski.
Mas nem só o romantismo é a principal mensagem do desenho animado. Vamos aos desenhos da Warner, em que encontramos a fome e a extrema violência contra um faminto nos desenhos de Frajola (Sylvester, no original) e Piu-piu (Tweety). O gato faminto vê a solução para a fome em um passarinho. Ninguém o alimenta: ao contrário, lhe enchem de pancada e nós rimos! Aquele passarinho representa a classe média alta acomodada e despreocupada, pouco se importando com as mazelas desse mundo e feliz da vida por viver numa gaiola, com tudo ao seu alcance, enquanto o povo faminto, querendo seu pão, é o pobre gato. É realmente engraçado: mais que engraçado, é cinicamente crítico! Vou contar um segredo de dentro de mim: eu ainda torço para o gato um dia comer esse passarinho dos infernos!
Outra questão são os valores norte-americanos invertidos em Tom e Jerry. O gato é o americano acomodado fazendo seu trabalho. O rato é um invasor indesejado que costuma sempre levar a melhor sobre o primeiro. Sabe-se lá o que querem dizer com isso: política contra os imigrantes ou contra os comunistas, uma vez que o desenho foi criado em 1940 pela dupla Hanna e Barbera, em plena Segunda Grande Guerra!
Mensagens fortes são passadas de forma inteligentemente suave nos desenhos animados. A pessoa percebe e ri, muitas vezes por causa do exagero do que é apresentado, mas, aos poucos, quando se relembra das cenas ou as assiste de novo, e de novo, vai percebendo que nem sempre o assunto é tão engraçado. Que tal lembrarmos da situação do nosso planeta, sucumbido sob um lixo global, em “Wall-E”, ou encarar o preconceito mostrado em “Dumbo”, de 1941, ou mesmo em “Ratatouille”, de 2007? Ou o choque de descoberta da realidade que o brinquedo Buzz Lightyear sofre em “Toy Story”, de 1995?
A Disney se tornou a campeã em desenhos animados. Para isso, envolve uma equipe de criatividade afinada, o que acabou levando à criação da Disney University, onde se aprende criatividade e gestão, sendo uma das referências sobre esses assuntos. Para o aperfeiçoamento dos desenhos animados, muitos equipamentos para o cinema foram criados por esse pessoal.
Na televisão, encontramos também desenhos animados adultos com conteúdos explícitos. Muitos pais permitem seus filhos os assistirem em atitudes irresponsáveis. Porém, é na sutileza de desenhos infantis ou mesmo para adultos, com mensagens que as crianças não percebem, que se dá uma qualidade cultural bem apreciada, mesmo por quem não enxerga sutilezas nas tramas. Por exemplo, os dramas familiares de “Os Flintstones”, criado em 1960 inicialmente para adultos e, de forma semelhante, em “Os Jetsons”, de 1962, ambas criações de Hanna e Barbera. Mas o superlativo se encontra em “Os Simpsons”, de 1989, com roteiristas afinados até em física nuclear.
Os desenhos animados conseguem mudar a mentalidade das crianças para elas atuarem na sociedade futura. Para o bem e para o mal. Falando somente dos valores positivos, temos que em “Peter Pan”, de 1953, vemos uma revolta contra a rotulagem das mulheres, em “Fantasia”, de 1940, vemos explicitamente o mal contido numa orgia, em “Pinóquio”, também de 1940, sentimos o drama do caminho sem volta que as crianças podem tomar por atitudes irresponsáveis.
Então, deixemos as implicâncias de lado e vamos abrir os olhos e descobrir o que está oculto nos desenhos animados. Eles, na verdade, retratam dramas sérios de forma colorida, musicada e bem-humorada para nós pensarmos, seja agora, seja no futuro.
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