Por Túlio Bambino*
Os anti-heróis quase sempre estiveram em moda, mas nada pior para eles que sua sacralização. Sim, acredito no Hélio Oiticica desde muito tempo, mas os dias de hoje nunca foram tão esquizofrênicos. Entre a falta de vergonha completa e o politicamente correto, o cinza poderia viver bem, mas os gatos pardos são muitos, bandidos como Cara de Cavalo se envergonhariam com os bandidos da modernidade tardia, ladrões violentos de senhoras na fila do pão ou a desfaçatez de dedos de seta engravatados entregando seus iguais. Advogamos pelo direito de armas, descriminalização das drogas e os direitos dos seres “humaninhos” de latir e sujar nossas calçadas. Juntemos isso a uma vontade de correção batista, a uma necessidade de conjugar tudo o que possa salvar nossas almas em vida, entre uma dose de whisky e uma ou duas indiscrições inconfessáveis e vamos todos mantendo as aparências. E é nisso que o João soca a nossa cara com a força de mamute. Ele confessa seus erros, dando suas condições de contorno, sem perder a autenticidade do cara que pede desculpas e te manda as favas na sequência.
Sem nenhuma vontade de querer ser amigo de todo mundo, de ganhar mais do que o necessário para completar sua coleção de tranqueiras e suas viagens químicas do porão a primeira classe, João se tornou nome da cena Pop mundial, saído aqui da terra brasilis. O Cara não é estereótipo de nada, drogado, sem banho e com 200 Kg de massa corpórea, criou um estilo, foi parte ativa do movimento Punk paulista, apresentador de programa de TV e garoto propaganda da Volkswagen. Seu livro tem a levada de uma boa resenha entre uma tarde de passagem de som “prum” show as quatro da manhã. Uma conversa boa, com a cumplicidade de quem não está aí “pra” guardar muitos segredos. As páginas vão passando e o poço não tem fundo, mas no final do livro tem resgate sim. Para quem não conhece descobrir e para quem já sabe um pouco saber mais.
Em tempos de hipocrisia e presunto tender de jornal, a celulose gasta neste livro foi muito bem colocada. Já era fã do cara em vinil, agora admiro bastante sua história. Recomendo.
Viva La Vida Tosca – Biografia de João Gordo – Vocalista do Ratos de Porão.
Darkside Books, 320 páginas. 2016. João Gordo e André Barcinsky.
*É carioca, filho dos anos 60. Graduado em Física na Universidade Federal Fluminense e em Cinema pela Universidade Estácio de Sá. Lutou Judô e sabe tocar bateria.
tmbambino@hotmail.com