Por Ricardo Coelho dos Santos
Deu nos jornais capixabas a terrível notícia: quatro membros de uma família sucumbem num trágico acidente automobilístico. Tal fatalidade chocara a cidade de Colatina e a comunidade religiosa que eles participavam. O carro derrapou com os pneus carecas.
Isso já aconteceu com esse que lhes escreve: tinha comprado pneus novos, mas levei o carro ao mecânico que, espertamente, os trocou e não percebi. Confiante que estava, não fiz as verificações obrigatórias antes de uma viagem. Fui, peguei chuva, derrapei e bati frontalmente numa camionete. O fato de ter sobrevivido foi uma mera questão de sorte e uso do cinto de segurança, coisa que não era obrigatória na época.
Pneus carecas, também, e mais excesso de cargas foram a causa do pior acidente rodoviário do Espírito Santo, ocorrido recentemente. Tristemente, o estado mais uma vez consta nos noticiários nacionais, e, dessa vez, até nos internacionais, em mais uma notícia trágica, já que as nossas boas coisas quase nunca são noticiadas.
Nessas linhas, tenho uma observação que não sei se é boa ou ruim: pelo comportamento verificado nas nossas rodovias, o índice de acidente é pequeno… Muito pequeno mesmo!
Não sei se a notícia é boa, pois, felizmente, muitas famílias têm chegado de viagem aos seus lares e o lazer das férias e dos feriados, principalmente os prolongados, trazem como memória momentos alegres, felizes e gratamente inesquecíveis. Todos irão mostrar as fotos daquela bela praia, da cachoeira convidativa, de um passeio a cavalo ou da culinária imbatível encontrada nas serras capixabas, no interior de Minas Gerais e nos lugares famosos do Rio de Janeiro e de São Paulo.
E também não sei se a notícia é ruim, pois, com esse baixo índice, bate no brasileiro o senso falso de super-herói e as pessoas se arriscam imprudentemente pelas estradas, pondo sua vida em risco e também a dos outros, inocentemente envolvidos numa fatalidade que não provocaram. Isso faz com que, no Brasil, para se ser um bom motorista, você tem de dirigir para si e para os outros!
Ora, estou falando do óbvio! Estou escrevendo sobre um assunto tão do conhecimento de todos, tão explorado pela imprensa e tão discutido entre os vários tipos de passageiros que pegam a estrada, que um leitor atarefado deve pensar que já sabe o que vem de resto e abandona a leitura para pegar outro dos bons articulistas do “Debates em Rede”. E, ainda, há quem leia, concorde, mas continua insistindo em ser um Speed Racer ou um James Bond no volante. Mas, mesmo assim, insisto e ouso me colocar como formador de opinião nesse artigo.
Eu, por ser um feliz sobrevivente de um acidente de tamanha gravidade que ninguém quis acreditar que eu tenha saído inteiro, e, ainda, depois de aprender algumas regras de segurança com motoristas profissionais, passei a ser cuidadoso. Verdade que ainda cometo alguns pecados, poucos, na verdade, mas adquiri a paciência de ficar atrás de um caminhão na subida, mantenho distância segura do veículo da frente e jamais faço fila no momento da ultrapassagem: espero o carro da frente voltar para a mão e só assim eu ultrapasso. Ponho na cabeça que não estou num filme com perseguição automobilística e sigo a minha rota. Sou um exemplo? Não! Sou ainda aquém do padrão de um motorista mediano, um pouco mais tendencioso ao comportamento de um medroso.
Estou dirigindo na BR 262, saindo de Vitória com intenção de ir até Rio Casca, em MG, onde entro para Ponte Nova, passo por Teixeiras e, finalmente, paro na bela cidade de Viçosa. O comportamento do meu carro é maravilhoso. A estrada, muito esburacada com o excesso de chuvas, não permite uma grande velocidade, mas, mesmo assim, ando bem, sem muitos atrasos. Encontro um caminhão numa ladeira perto de uma curva. A velocidade cai para o que seria enervantes 20 km/h. Não é enervante, pois aproveito para escutar melhor o som das músicas gravadas no meu pen-drive (que vão de Beethoven a Cascatinha e Inhana). Vem um carro atrás de mim e me ultrapassa, desrespeitando a faixa contínua. Com medo da curva, ele entra sem pedir licença entre eu e o caminhão, pondo sua frente debaixo da carroceria e me forçando a reduzir para dar distância segura entre nós. Vem outro veículo, ultrapassa os dois carros e o caminhão, entrando na curva sem a mínima noção do que vem depois. Nada aconteceu. As estatísticas não funcionam e todos os dois imprudentes continuarão felizes nas suas viagens.
Fila de automóveis. A estrada é uma linha reta que permite a ultrapassagem. Porém, vem outro veículo pela contramão. Um apressado força a ultrapassagem, obriga o outro a sair da pista e continua, feliz da vida, como se tivesse cometido um pequeno pecado sem importância para se levar ao confessionário. Se o veículo contrário tiver sido uma motocicleta, o pecado então teria sido menor ainda!
Estou em outra fila, dessa vez, atrás de um ônibus. Um caminhão pequeno resolve ultrapassar a fila pela direita, usando o acostamento. O motorista de ônibus, sem ter percebido a manobra indevida e perigosa, tinha também jogado seu veículo para a direita para dar chance aos carros mais velozes prosseguirem. Quase que choca contra o caminhão na nossa frente.
Caminhão em baixa velocidade na frente. Vou ultrapassar, mas o carro de trás, numa manobra rápida e sem dar a seta, quase bate no meu e me força a voltar para a minha pista. Outro carro também resolve ultrapassar-nos e o faz usando o acostamento da outra pista.
Senhores, isso foi em uma só viagem! E não houve acidentes visíveis. Todos foram felizes para casa — talvez, com exceção da minha pessoa, assustado com o que testemunhei. Mas, se cheguei inteiro, cheguei bem, a julgar pelos perigos passados.
Sim, porque não foram só as vidas daqueles intrépidos, invulneráveis e heroicos motoristas que correram sérios riscos de serem ceifadas! A minha, a da minha esposa, da minha filha e do meu neto também! Então, a questão da segurança nas estradas não está somente no foro íntimo de cada um, mas, também, nos potenciais atentados às vidas alheias, cometidos com tais imprudências.
É simplista demais dizer que a maioria dos acidentes é por excesso de velocidade. Claro que essa é um grande fator de risco, ainda mais nas estradas do Espírito Santo que já mereciam ser duplicadas há pelo menos quarenta anos — a instalação de uma terceira faixa é um paliativo que, se for de longo prazo, torna-se uma imbecilidade, pois rouba a faixa de acostamento, usada por motivos óbvios de segurança.
Então, a duplicação das estradas é motivo óbvio de segurança pública. Não duplicar, portanto, é uma demonstração inequívoca de irresponsabilidade dos governos que administra e administraram o Estado. Consequentemente, sua manutenção também envolve a obrigatoriedade de cada gestão. Claro, chegou-se a uma conclusão que economistas com diplomas semelhantes ao dos advogados de porta de cadeia berram: “as estradas devem ser privatizadas”. E pergunto: adiantou? O caso vem de longa data. Há impostos para a melhoria das rodovias e que funcionam precariamente e, mesmo nas concessões, vemos recusas de duplicação, atrasos com desculpas esfarrapadas e as culpas simplesmente sendo lançadas aos motoristas, mesmo os inocentes.
E, havendo atentados às vidas, vemos as polícias rodoviárias apáticas, fazendo, no máximo, verificações de velocidades em raros momentos próximos aos feriados. Não mais fiscalizam o andamento do tráfego nem verificam irregularidades como faziam antes, que até a profundidade dos sulcos dos pneus eram medidas — o que, pelo menos, teria salvo a família de Colatina vítima do desastre.