A partir de um livro interessante, alguns autores viram com alegria suas obras serem convertidas em outras formas de arte. Isso não é novidade: peças de teatro e óperas vieram a partir da literatura. Vejam, por exemplo, o lindíssimo “O Guarani” de Carlos Gomes, inspirado no livro original de José de Alencar.
E não ficou somente em peças teatrais. Quadros foram pintados, como Delacroix retratou de forma impressionante Dante e Virgílio, inspirado em “A Divina Comédia”. Também, músicas não operísticas fizeram sucesso, como “Wuthering Heighs”, de Kate Bush, saído do livro de mesmo nome original, que no Brasil ficou conhecido como “O Morro dos Ventos Uivantes”!
O cinema não perdeu tempo. Livros como “Ben Hur”, de Lew Wallace foi contado em várias versões cinematográficas, inclusive a mais famosa, de 1959, recordista de número de Oscares, já igualado, mas ainda não superado: onze prêmios!
Uma vantagem de se converter um livro em filme é que o autor se esmera em descrever os vários sentimentos, sensações e ambientes com muitos detalhes em palavras, o que pode ser retratado rapidamente em poucos segundos de uma boa apresentação cinematográfica, chegando a tornar-se até complemento da obra original. Por outro lado, o autor não encontra limite para o que escreve, podendo trabalhar à vontade com sua imaginação, enquanto que, em cinema, por ser uma arte muito comercial, o diretor se vê forçado a cortar passagens interessantes para possibilitar o filme ser apresentado num tempo que o torne atrativo e num custo idem.
Podemos citar dois exemplos recentes: a excelente trilogia de “O Senhor dos Anéis”, em que suprimiram Tom Bombadil, um dos personagens mais interessantes da obra original de J. R. R. Tolkien, e na série de Harry Potter, de J. K. Rowling, em que o personagem Pirraça, um dos mais importantes, sequer foi citado nos filmes.
Entretanto, até mesmo por causa das dificuldades entre as duas formas de artes tão diferentes, nem sempre um bom livro se converte num bom filme, muitas vezes saindo peças deploráveis a partir de um excelente material. Assim, podemos citar “O Lobo do Mar”, a partir do livro excelente de Jack London, transformado num péssimo filme em 1993 que nem o bom elenco, com Charles Bronson e Christopher Reeve, salvou. Se bem que foi um filme para televisão, mas isso não justifica nada.
Assim, há ainda excelentes livros que ainda não foram convertidos em obras cinematográficas modernas e dignas, com a mesma altura da obra original. Aí, cito o próprio “O Lobo do Mar” que é uma trama que exige não somente a atuação de bons profissionais como uma direção de especialistas em peças clássicas e uma produção milionária. Já foi feito uma filmagem sob a direção de Michael Curtiz, com os maravilhosos Edward G. Robinson, Ida Lupino e John Garfield. Mas foi um filme de 1941. Todos merecemos uma boa refilmagem.
A seguir, cito outros bons livros que também merecem ser convertidos. O autor e o público merecem e bons diretores e atores precisam desse desafio. E, com certeza, bons produtores receberão os lucros a serem gerados.
Comecemos com “Fundação”. Essa trilogia mostrou ao mundo para que Isaac Asimov veio. Escrito quando ele era um estudante universitário para poder sustentar seus gastos na faculdade, ele criou uma ciência falsa, a “Psico-história”, de maneira tão bem feita que houve quem acreditasse que pudesse ser real. Hoje, depois de Guerra nas Estrelas e Avatar, o cinema possui tecnologia para colocar esse belo conto nas telas: a cidade planetária, o avanço do Mulo e as viagens para a humanidade descobrir onde está seu planeta de origem após anos de expansão cabem perfeitamente numa superprodução que merece um diretor que saiba trabalhar mais com atores do que com cenas de ação. Estão prometendo um lançamento na HBO para 2018. Vamos conferir!
Passemos para “As Sandálias do Pescador”. Esse livro foi transformado num lamentável filme em 1968, roteirizado pelo próprio autor, Morris West, sob a direção horrorosa de Michael Anderson, que conseguiu estragar os trabalhos de Anthony Quinn, Laurence Olivier, John Gielgud e Oskar Werner. O filme mostrou apenas uma pequena faceta do livro, que, no original, aborda remédios que deformavam crianças no ventre das mães, ameaças de guerra nuclear entre um governante ateu e outro batista, uma tese teológica contrária aos dogmas do catolicismo e um papa não italiano enfrentando toda essa situação. Fico imaginando como deve ser delicada a filmagem do papa escutando de uma enfermeira que se encheu de coragem para revelar-lhe que a ação mais humana a ser feita para as crianças deformadas seria tirar logo suas vidas! Não fizeram um filme à altura desse grande livro. Aliás, Morris West merece ser mais filmado. “Um Mundo Transparente” e “O Advogado do Diabo” já mereciam estar na tela há muito tempo. Não podemos confundir o segundo livro desse antigo padre com o filme de 1997, dirigido por Taylor Hackford, com Al Pacino, Keanu Reeves e Charlise Theron. Há um filmagem do livro datada de 1977.
Podemos voltar a citar a obra de José de Alencar: “O Guarani”. Mesmo com um romantismo que soa como pieguice aos dias de hoje, coisa que um bom roteirista saberia contornar sem ferir o original, há passagens catastróficas que se exigiriam efeitos especiais de boa qualidade e cairiam no gosto dos fãs de Stallone. Além disso, Ceci e Peri devem ser imortalizados, como Romeu e Julieta, Abelardo e Heloísa e Tristão e Isolda. O conto já foi levado ao cinema em 1912, numa cópia hoje perdida, em 1979, por Fauzi Mansur e em 1986, por Norma Bengell, aliás numa filmagem com excelentes atores, mas muito limitada ao que se impunha às produções nacionais na época; hoje nossos produtores acreditam e investem mais em boas obras. Um detalhe interessante é que o nosso Convento da Penha fez o papel da mansão de D. Antônio de Mariz.
Voltando à ficção científica, “Encontro com Rama”, de Arthur C. Clarke já pode ser transformado num belo filme, desde quando Christopher Nolan ousou, e muito, no seu Interestelar, o fascinante e intrigante livro do genial Clarke pode ser realizado. Ao que parece, há um projeto para isso; projeto esse que exigirá efeitos de computação gráfica de ponta e atores traquejados.
Temos, da literatura inglesa, o excelente Kim, obra genial de Rudyard Kipling (não deixaria de citar o meu autor favorito). Foi realizado um filme em 1950, dirigido por Victor Saville, com excelentes atores que, entretanto, não se caracterizam com os personagens. Tudo bem colocar o então jovem Dean Stockwell, com catorze anos, como Kim e o lendário Reginald Owen como o Padre Victor. Mas Errol Flynn no papel principal como Mahbub Ali e Paul Lucas como o Lama? Cruzes! Sim, precisamos fazer uma boa filmagem, centrada nas aventuras de um garoto que se torna um homem dedicado ao seu mestre, sem abandonar suas obrigações. Imagino como seria posto em tela os sonhos do jovem indiano, a respeito de um touro vermelho sobre um gramado verde.
“Baden-Powell: As Duas Vidas de um Herói” foi escrito pelo dinamarquês William Hillcourt (“Green Bar Bill”) com a colaboração da inglesa Lady Olave Baden-Powell, esposa do personagem central. Esse livro de 1964 narra a vida real de um personagem inacreditável que resistiu, com poucos recursos, à invasão dos böers na África do Sul usando uma criatividade que merece ser mostrada. Fundador do Escotismo, mostra também sua relutância em receber cargos e honrarias para que seu trabalho de interpretação à filosofia de Montessori não fosse prejudicado. Não se sabe se foi feito algum filme sobre sua vida — bem… Baden-Powell não gostava de cinema!
Podemos parar por aí. Mas antes, temos que lembrar que muito de “literatura barata”, aquelas séries de livros de bolso que tanto faziam sucesso nos idos de 1960, quando os brasileiros liam mais, poderiam também virar filmes. Alguns chegaram a ser realizados, mas de forma muito acanhada. Os saudosos hão de concordar que Nocaute Durban, de Hélio do Soveral, o Coyote, de José Mallorqui Figuerola, que chegou a ser filmado na década de 1950, Shell Scott, de Richard Scott Prather e Perry Rhodan, de diversos autores, merecem estar na telona com bons atores, bons roteiristas, bons diretores e produtores sem medo.