Será que teremos de ver tudo de novo? Desde que me conheço por brasileiro, a história é sempre a mesma: quando chega a hora de distribuir melhor a renda e diminuir as aberrações sociais, inventa-se uma crise. Motivos não faltam: pode ser o petróleo, a queda da bolsa na Rússia, as sabotagens, o rombo das contas públicas, a pressão cambial, o descaso pelas causas coletivas, a ganância desenfreada das classes dirigentes querer manter a qualquer custo seus privilégios e sua impunidade ou a corrupção bilionária já tradicional na política brasileira. A razão, porém é sempre a mesma: para que os ricos continuem ricos, é preciso que pobres fiquem mais pobres e a classe média abra mão de mais alguns objetos do desejo. Aumentam-se os impostos, pioram-se os serviços e mantêm-se intactas as prevaricações e os desvios institucionalizados. A classe média, aliás, tenta a todo custo afastar o fantasma do rebaixamento, mas as ameaças aterradoras e ininterruptas da desempregabilidade não a deixam dormir sossegada. Ao mesmo tempo, a suspensão generalizada de políticas públicas inclusivas e o modus operandi de nossas classes dirigentes nos deixam a incômoda impressão de que elas não deixam escapar quaisquer chances de se manterem mais ricas e poderosas, mesmo que seja às custas da miséria de milhares.
Somam-se a isso o descaramento, o cinismo e a desfaçatez ostentados com orgulho por representantes de todos os poderes usurpados recentemente no país. Não se dão nem mais ao trabalho de disfarçar o golpe baixo e sujo, as perseguições judiciais fraudulentas e criminosas, os roubos à vista de todos, os milhões pulando das malas, o desmanche de setores estratégicos da economia do país, o racismo, o ódio do povo, o desprezo pela maioria da população e as difamações e calúnias disseminadas cotidianamente pela mídia sórdida e mau caráter contra líderes da oposição e do partido que ganhou legitimamente as últimas eleições. Chega até mesmo a ser difícil explicar ao mundo como um pulha, um rato golpista ficha-suja traidor e corrupto das inúmeras malas abarrotadas de dinheiro, se mantêm no poder por força e obra das quadrilhas organizadas que tomaram o país de assalto, sem que a população reaja à altura.
A bandidagem golpista vai velozmente empurrando o país para o abismo do retrocesso econômico, social e político, sob o silêncio da maioria da população que até há pouco batia panelas, empunhava patos e camisetas verde-amarelas e vociferava contra a corrupção! Será que sabiam que na realidade estavam gritando "Fora nossos Direitos", "Acabem com a Petrobrás", "Queremos Trabalho Escravo", "Rasquem a CLT e a Constituição", "Queremos os Corruptos no Poder", "Chega de Previdência", “Vendam a Riqueza Pública a Preço de Banana”? Sentem-se enganados talvez e por isso se envergonham? Ou seriam orgulhosos demais para admitir que foram realmente patos e presas fáceis das quadrilhas que juntas tramaram o assalto?
Os meios de comunicação hegemônicos, por sua vez, forjam um cenário de avanço, de modernidade com a perda dos direitos básicos ocultando todas as falcatruas, tramoias e canalhices das quais são cúmplices e comparsas, além de enfatizarem a todo momento, como disse certa ocasião Hermann Hesse, “a cômoda recusa a todo problema profundo, a renúncia covarde e orgulhosa a todo questionamento realmente importante, a fruição pura e simples dos prazeres momentâneos” e de informações ostensivamente manipuladas intoxicando os mais desavisados e fazendo com que a maioria não se aprofunde em qualquer coisa realmente séria. E assim agradam aos poderosos e recebem vultuosas somas de dinheiro padrão FIFA.
E o dinheiro, onde está? Quem ganha com a alta do dólar, do preço da gasolina, do gás, com a venda das estatais, a destruição do Estado de Direito e com a criminalização dos movimentos sociais? Estas perguntas afligem a milhões de brasileiros ignorantes da real situação econômica dos agentes financeiros que controlam nosso país. E para ilustrar a infâmia dos dirigentes golpistas, o salário mínimo foi reduzido em dez reais ficando minimamente básico e as classes abastadas se posicionam veementemente contra a bolsa família. O trabalho honesto em nosso país infelizmente tornou-se um mau negócio agora terceirizado e a vigarice vai de vento em popa: da canalhice de nossos congressistas ao cinismo torpe de muitos juízes; do roubo de cargas ao desvio de verbas; do tráfico de influências às comissões para as liberações; do comércio ilegal de drogas e armas às falsificações generalizadas; da esperteza intermediária a sem-vergonhice sorridente; nestas áreas os lucros elevados apontam para um crescimento constante e gananciosamente abusivo, encabeçado e gerenciado há muito pelos bancos.
E se tivéssemos uma classe dirigente realmente interessada em buscar saídas coletivas para nossas questões sociais mais graves, composta em sua maioria - pasmem - por pessoas íntegras e honestas? Como seria? Pois, enquanto não cultivarmos valores que norteiem claramente nossas atitudes, não há Reforma que dê jeito nas anomalias grotescas de nossa organização social e na desfaçatez de nossos agentes públicos. Neste contexto, reduzir a distância entre o que se diz e o que se faz, entre o que se pensa e o que se expressa, passam a ser as principais exigências e os principais alimentos de um futuro mais saudável e mais humano. Será que encontraremos a saída?
* Gestor cultural, diretor de teatro, escritor e tradutor de alemão.
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