Por Guilherme Henrique Pereira
A virada de ano é uma boa oportunidade para reflexões. E isso é necessário porque pessoa ou povo que não reler constantemente sua história para avaliar erros e acertos, se sujeitará a cometer de novo os mesmos erros. É pensando nisso que darei a minha pequena e limitada contribuição listando alguns pontos à guisa de tentar responder a pergunta: qual o legado de 2017?
Parece não haver dúvidas de que o tema de maior destaque em 2017 foi a política. Talvez melhor dizer a politicagem. Não me lembro de outro momento da história brasileira em que a troca de favores e o uso de recursos públicos para o atendimento de interesses pessoais esteve mais à mostra. Antes, interesse pessoal era fazer uma obra pública perto da própria fazenda ou, empregar um parente, mas, em 2017 o conceito mudou: agora interesse pessoal é uma ação para impedir o próprio julgamento e prisão. Vale até comprar votos com dinheiro público para se livrar de um processo. Vale o Presidente da República ter emissário para negociar benefícios que serão concedidos a meliantes (a imprensa venal trata o cara como empresário, porém, de minha parte, me reuso. Penso que empresário é outra categoria) em troca de uma mesada espetacular e já paga no ato a primeira parcela de R$ 500 milhões. Por duas vezes o Congresso votou contra o julgamento da pessoa que ocupa a presidência da república. Claro, com mais de 90% de rejeição, passando todo seu tempo em conluios para evitar ser julgado enquanto o Brasil fica a deriva, por que me referir a Presidente? O mesmo se pode dizer da maior parte dos que sentam nas cadeiras pertencentes a Ministros da República.
Que lições podemos tirar? Me parece óbvia a proposta de que foro privilegiado só deveria ser aplicado a casos em que o crime se refere a atos derivados de equívocos no exercício do mandato. Por exemplo, prometer executar um plano e fazer outro; aprovar a compra de Pasadena, enfim, atos decisórios que se revelaram indevidos ou suspeitos. Agora, ter emissário para carregar mala de dinheiro é um crime comum e ponto. Não cabe a necessidade de autorização pelo Congresso.
E por falar em Congresso: não creio que tenha havido outro tão voltado para interesses pessoais (sentido já de 2017). Nunca os lobbies dos setores mais atrasados desse país tiveram tanto sucesso em um ano aprovando medidas que retrocedem em nossos pequenos avanços anteriores no processo civilizatório. Vejam as questões relacionadas ao meio ambiente, à inovação, a flexibilização de setores regulamentados, vulgarização dos debates e trocas de favores que levaram ao aprofundamento do déficit público. A lição é de que estamos elegendo os profissionais errados que, ao chegarem lá viram as costas para o povo. Como puderam votar para o cara que tem mais de 90% de reprovação e ainda há fatos definitivos sobre envolvimento em falcatruas? O debate que se torna aqui necessário é a reforma política. Mas como fazê-la com essa categoria de congressistas?
Aí me lembro do PSDB. Como um partido dito de intelectuais pode praticar tanta trapalhada em um só ano? Uma perna de braços dados com a corrupção, apoiando o Temer, para salvar o seu mais reconhecido líder que pede dinheiro para meliante. Outra se dizendo ética, mas, incapaz, de uma ruptura para valer com a perna podre. Mas a pior de todas as trapalhadas foi veicular uma propaganda de televisão propondo o parlamentarismo como panaceia para os males em curso. Governo do parlamento? com esse que está aí? Só mesmo na cabeça desses desesperados dirigentes sem coragem para enfrentar o problema.
E nesse campo dos partidos políticos, os eleitores precisam fugir da armadilha armada. Havia a hipótese de candidatura do Lula. Nesse cenário, haveria poucos candidatos mas todos os pretendentes, desde agora se voltaram para críticas ao PT. Um partido com muito sucesso eleitoral nos últimos 15 anos, mas, que frustrou seus eleitores, tanto por conta dos dirigentes envolvidos em corrupção, quanto pelo completo afastamento dos programas seminais do partido. Deixou de ser um partido de esquerda. Fatos que justificam as críticas de que é alvo. Contudo, o PMDB é de longe o partido com mais dirigentes presos ou indiciados. O PMDB sempre foi o sócio do PT. E continua nadando de braçadas no mar de lamas, só que agora é sócio do DEM e do PSDB (pelo menos durante 2017). A lição que temos que ter presente: não cair na armadilha da polarização. Falar de um e esquecer dos outros. Um é o demônio e admitir que os outros são anjos.
No noticiário produzido pelas empresas de comunicação (no Brasil não temos Imprensa) o tema de maior destaque no campo da economia foi a reforma da Previdência. Aqui tivemos o reinado absoluto das pós-verdades:
1) A Previdência tem déficit: é claro que tem, o Governo não cobra os grandes devedores e além disso autoriza renúncias fiscais em cima das contribuições definidas para financiar a seguridade social. Portanto, a origem significativa do problema é de outra natureza do que a que é mencionada;
2) A Previdência é responsável pelo déficit público – Na verdade a parcela mais significativa do déficit público são as despesas com pagamentos de juros. A aprovação do projeto do Governo, não terá efeito sobre o Déficit, pelo menos a médio prazo.
3) Se não aprovar a reforma da Previdência a economia vai desabar – A crise mais aguda já vem desde 2014; mas tivemos momentos ruins em 2008/2009; ou, ainda, crescemos menos que o resto do mundo já há cerca de 30 anos; períodos em que não se podia responsabilizar o déficit público. O problema do baixo crescimento e desemprego tem outras explicações.
Neste caso da Previdência a lição que fica é evidente: é possível impregnar o imaginário popular com meias verdades para desviar o foco em outra direção, ou encontrar culpados para a crise. Essa contra-reforma agora, ela própria ficará como legado para 2018, com todas as suas armadilhas implícitas.
Meu espaço aqui está acabando e não quero deixar de falar de legados culturais de 2017 (só para capixabas), também muito importantes: a Academia Francesa de Artes pela primeira vez em sua secular história reconhece um brasileiro; Editora portuguesa publica Ricardo Coelho dos Santos escritor capixaba; e Amazon.com comercializa com sucesso Laurinho Goltara, outro dos bons escritores capixabas; Talento de Vila Velha prestes a vencer o The Voice Brasil; E o Grêmio, será que vence o Real Madrid, para o Brasil ter um campeão mundial?
Na verdade, esse último parágrafo foi para provocar os especialistas da área cultural em fazerem também o balanço de 2017. Fiquem também os economistas, juristas, esportistas e cientistas políticos igualmente provocados. Debates em Rede (ghpereira@debatesemrede.com.br) pronto para publicá-los.