Por Pedro José Bussinger*
Todas as opiniões que emitimos ou análises que podemos fazer sobre qualquer assunto dependem do ponto de vista do qual partimos. Se comentamos sobre política, moral, economia, etc, podemos adotar uma posição crítica ou triunfalista (otimista) sobre o estado de coisas. A mais simples opinião depende, portanto, de nossa concepção de sociedade, englobando nossa visão da história, do dinamismo social, da estrutura social e econômica. Pretendo aqui apenas comentar de forma ligeira sobre o que nos legou 2017 ou o que este período reforçou, sem condições para análises sofisticadas que demandam conhecimentos especializados. A minha digressão permanecerá no campo da ética.
Nesses dois últimos períodos no Brasil as pessoas têm notado uma forte discrepância entre o comportamento moral e político por parte de alguns de nossos representantes eleitos. Os fenômenos têm acontecido tanto no âmbito da sociedade política (Estado) quanto no âmbito da sociedade civil. Além da grave questão da corrupção fragrante, expressa na manipulação e recebimentos de favorecimentos pessoais em dinheiro ou em bens, assistimos também procedimentos farsantes no que tocam ao uso da máquina pública, no sentido de doar cargos e favores em troca de votos no congresso. Estes tipos de comportamentos têm causado estupefação em muitos, mas não em todos.
Lembremos aqui um pouco do que os teóricos da moral têm estabelecido como os fundamentos éticos para a prática moral satisfatória. Afirmam eles que os valores éticos funcionam como padrões ou modelos para condutas individuais com a finalidade de garantir a integridade psíquica e física dos indivíduos nas relações interpessoais e também, em um sentido mais amplo, a conservação do grupo social e ou a cultura. Podemos então perceber aqui a relação indivíduo e sociedade. Em decorrência os valores têm a função de evitar a violência ou as degradações das relações entre as pessoas. Os valores não são natos, mas surgiram nos diferentes processos ou experiências históricas de lutas dos seres humanos por suas sobrevivências.
A ética, como parte da filosofia que trata dos valores morais adequados às boas condutas, contém as várias contribuições dos filósofos que refletiram sobre o assunto. Uma das exigências para o autêntico comportamento moral é que o indivíduo ou grupo praticante sejam conscientes dos meios e dos fins éticos. Em decorrência destas exigências aparecem também as necessidades de que os indivíduos tenham consciência de si e dos outros, responsabilidades nos atos morais, ou seja, reafirmem ou se responsabilizem pela autoria das práticas realizadas e que sejam também livres para as práticas dos atos morais.
O último aspecto apresentado é de grande relevância, pois para o ato ser considerado moral, é preciso que a pessoa que o prática seja livre para a ação, ou seja, nenhum fator ou influência externa pode interferir no comportamento. Aqui, portanto, surge o elemento relacionado à questão da ética e a política. Se o sujeito político, no ato de sua prática, for influenciado por fatores tais como preocupação com sua carreira política, interesse em cargos, busca de prestígio social, riqueza, etc, pode-se afirmar que fatores externos estão coagindo o sujeito à ação e não uma consciência interior. O sujeito não se encontra livre, autônomo para a ação e então o comportamento não pode ser considerado moral. Mesmo se a ação venha a trazer benefícios para outros.
Se as ações políticas, tais como as apresentadas recentes no Brasil por agrupamentos de interesses (partidos e empresas) não podem ser fechadas como legados do ano de 2017, elas expressam uma prática política como um legado histórico de segmentos tradicionais oligárquicos dominantes, vigentes em nossa terra desde o contexto colonial. Bóris Fausto, historiador, afirma que no Brasil, entre os grupos oligárquicos vicejou o princípio “aos amigos os favores da lei, aos inimigos os rigores da lei”. Este princípio, como registrado na ciência política, teria sido apresentado por Karl Schmidt, ideólogo do nazismo, sustentando que na relação política preponderaria a relação amigo-inimigo.
Mas não conteria a ética um ponto no qual a prática política pudesse encontrar um tipo de fundamento que orientasse as ações dos indivíduos? Fala-se na ética pública interpretada como sendo preceitos que deveriam ser observados pela burocracia no Estado, pelos representantes e dirigentes eleitos no executivo, judiciário e parlamentar. Nesta ética o valor fundamental deveria se ancorar no interesse do todo, da sociedade, da pólis. Mas observamos que não é o que está visível. Personagens e segmentos políticos dominantes falam em interesse da sociedade, da nação, da pátria, do Estado de forma ideológica, que esconde interesses dos grupos dominantes.
Sim, na prática política há um valor que alimenta o universal, é a categoria de igualdade. Mesmo compreendendo que a igualdade jamais se concretizará 100% ela pode ser o vetor para uma justiça econômica, social e política. Desde que existam sujeitos políticos (indivíduos e instituições) que lutem por ela. Não se descura do valor da liberdade, mas este só poderá existir plenamente diante da igualdade. Estes dois elementos formam um par de um processo dramático em uma relação de concordância discordante que alimentam o evolver da história humana desde que o ser humano adquiriu a faculdade da linguagem.
Podemos então concluir que o que temos como um legado recente em nossa sociedade brasileira é a exasperação de uma história que começou como tragédia quando a região foi invadida em 1500 e continua como uma farsa.
A choraminga de que o problema do Brasil é o problema da corrupção é uma choramingas moralista!
*Professor, Mestre em Filosofia.
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