Por: Guilherme Henrique Pereira*
Neste novo século, os grandes capitais, grandes empresas, ampliaram suas bases territoriais de realização de lucros em escala jamais imaginada. A consequência mais visível são os fluxos financeiros e de mercadorias, riquezas, em volumes capazes de fixar rastros de interesses suficientemente exagerados para contaminar as política nacionais. O viés que se apresenta neste contexto obviamente é o de buscar no Estado e nas suas políticas o favorecimento da tendência natural dos capitais para concentração de renda e riqueza nos planos territoriais e individuais. Nação forte, soberania e graus de independência para implementar políticas tornam-se reflexões ainda mais essenciais para os excluídos inevitáveis do processo de concentração.
Entre nós, o processo de construção da nação brasileira não tem sido fácil. Consolidamos o território, a língua única e alguns laços de solidariedade. Mas, em várias das outras dimensões avançamos pouco, lentamente, às vezes, retrocedemos. Cabe lembrar os avanços marcantes: independência (1822), abolição da escravatura (1888), proclamação da república (1889) e, no campo econômico, o processo de industrialização, sobre o qual nos deteremos um pouco mais. Uma trajetória de construção nacional muito recente, difícil de precisar, mais não muito anterior a independência.
Até 1930 uma economia incipiente, baseada exclusivamente na exportação de matérias primas, especialmente o café como cultura dominante na primeira metade do século vinte. Uma posição subordinada no conjunto das nações já industrializadas, já que a dinâmica da economia mundial era dada pelo setor industrial. E já se vislumbrava a predominância do complexo automobilístico e da produção de eletrodomésticos como segmentos mais dinâmicos do crescimento econômico mundial.
As disputas partidárias e ideológicas de então permitiram uma brecha para as políticas favoráveis ao setor industrial. Pela primeira vez a correlação de forças no parlamento e no executivo admite um viés não exclusivamente de apoio ao setor agroexportador. Com a industrialização em curso era evidente a afirmação econômica. Vivemos um período de grande crescimento da economia, de mobilização popular e nacionalismo. Sucessos na cultura com a bossa nova ganhando o mundo, o futebol campeão, o gradual crescimento de outros esportes, uma nova capital, a presença no mundo moderno da manufatura, o sonho do “Brasil grande potência mundial”, enfim um tempo de orgulho de ser brasileiro.
Na política, o tropeço da democracia, um período obscuro de amadurecimento de lideranças e do próprio processo democrático. No econômico, uma política desenvolvimentista de modo que a construção da indústria brasileira acelera-se até 1980. Nestes anos comemorava-se o fato de que a economia brasileira tinha o mesmo perfil produtivo das chamadas economias desenvolvidas. Mas, estas já iniciavam a transição para um novo paradigma tecnológico.
Duas características fundamentais do processo de industrialização se mantiveram subjacentes até início da década de oitenta e, a partir daí, se mostram com força suficiente para interromper ou postergar para um futuro, hoje ainda imprevisível, a continuidade da construção da nação brasileira. O modelo ruim e mal conduzido do endividamento externo ao lado da crença de que poderíamos continuar copiando sempre, deixando de lado os investimentos na criação da capacidade de inovação.
A expectativa em 1980, com o retorno da democracia, era de que o Brasil pudesse avançar na incorporação de amplas camadas da população fora do mercado de consumo, reduzir as desigualdades, dar um grande salto na capacidade de produzir e difundir conhecimento, voltar a crescer e retomar a construção nacional, afirmando-se como grande economia no mundo. Ao contrário, todas as energia se voltaram para o combate ao processo inflacionário, o equacionamento das vulnerabilidades externas e das finanças públicas, em razão do endividamento. Inflação e dívida externa consumiram cerca de quinze anos do esforço da política econômica. Anos de recessão, planos de ataque fracassados e perda de posições relativas no cenário mundial.
A partir de 1995 alcança-se o controle da inflação e do endividamento. Mas, continuamos até o presente, em uma realidade de baixo crescimento e sem perspectiva de mudanças. O ajuste realizado foi do tipo liberal, com total desarticulação da capacidade de implementar políticas de desenvolvimento. No plano político, a falta de liderança capaz de propor um projeto de Brasil que atraia uma maioria suficiente para viabilizar sua implementação.
O partido político que comanda o condomínio de apoio ao Governo, não foi capaz ou, na verdade, voltou-se para outros interesses, deixando de lado suas teses históricas. Surfou em uma onda de popularidade construída por indicadores muito favoráveis que vieram de conjunturas eventuais. Sem tocar nas falhas estruturais, estimulou o consumo das classes de menor poder aquisitivo favorecido pela boa fase, em alguns anos, da economia internacional. Segurou a taxa de câmbio como âncora para a taxa de inflação, deixando vazar para o exterior os estímulos do aumento do consumo interno para dinamizar a produção industrial nacional. A indústria nacional perdeu capacidade competitiva e não pode se apoiar no avanço tecnológico, por várias razões, a principal delas é a falta de investimentos significativos na infraestrutura de base para a inovação.
Todo esse imbróglio que se arrasta por mais de trinta anos, agravando-se anualmente, parece que começa a chegar ao seu ápice. Certamente turbinado por um viés de indesejada crise moral.
Sem fazer mea-culpa, mas indicando perceber o tamanho do erro cometido, o Governo desespera-se e aceita caminhar pelo ajuste absolutamente liberal o que resultará em baixos investimentos, maiores lucros do setor financeiro, baixo crescimento e desemprego, ou seja o aprofundamento da crise. Enfim e lamentavelmente, não há sinais visíveis de luzes, portanto, ao final do túnel.