Por: Neide César Vargas*
Não é de agora que o governo estadual no Espírito Santo tem orientado a gestão de suas finanças pela lógica da responsabilidade fiscal. Desde o início dos 2000 houve uma guinada neste sentido encampando, a partir daí, a visão de Estado prevalecente no modelo federativo delineado no governo FHC. Olhando retrospectivamente, desde o lançamento do Plano Real, os tempos de forte descontrole das contas públicas no estado estão datados do período 1995/2002, sendo de natureza predominantemente fiscal. Os problemas financeiros que então se enfrentava estavam associados, em grande parte, a um endividamento de curto prazo conseqüente de gastos excessivos. Com esse perfil particular de endividamento prévio, a adoção da lógica da responsabilidade fiscal pela via do acordo de renegociação de dívida junto à União (março de 1998) e enquadramento às exigências da LRF, não foi tão traumática como em outros estados.
O principal indicador de endividamento, a relação Dívida Consolidada Líquida/Receita Corrente Líquida (DCL/RCL), nunca foi tão elevado aqui quanto alhures. Entre 2000/2007 ele apresentou um movimento decrescente, estável na casa dos 40% a partir daí, equivalendo, em 2015, a 31,37%, ante um limite legal de 200%. Além disso, o peso da parcela da dívida referente aos acordos de 1998,foi sempre relativamente baixo (em média 1/3 do total, chegando a ¼, em 2013).
Entender objetivamente as razões desse quadro peculiar requer ir além de interpretações partidárias, que reputam resultados apenas a vontade política dos governantes de plantão. Requer destacar que o governo estadual contou,a partir de 2003,com condições estruturais mais favoráveis do que estados maiores (RJ, RS, MG, SP). A principal dessas condições envolveu o nível de endividamento prévio,relativamente menor e de natureza menos explosiva que nos demais. Dispôs, desta forma, de uma margem de manobra maior no uso de suas receitas, face ao baixo comprometimento com o serviço da dívida consolidada. Distintamente, estados como Rio Grande do Sul ou Rio de Janeiro, por exemplo, amargaram, desde fins dos 1990s, compromissos de reservar 13% de suas receitas líquidas reais para arcar com serviços de dívida junto à União. Esses montantes não eram suficientes para evitar que se gerasse um resíduo, incrementando o estoque de suas dívidas para além do efeito de expansão devido à correção monetária baseada no IGP-DI.
O segundo fator a explicar a adesão mais tranquila do governo estadual ao regime responsabilidade fiscal foi a ampliação continuada de suas receitas desde 2003, em significativa medida conseqüente de aspectos que independeram de seus governantes e gestores. Viu-se um crescimento continuado das receitas face ao bom comportamento da Economia Brasileira entre 2003/2008, com breve crise em 2009, e quedas mais relevantes a partir de 2014. Adicionalmente, também desde 2003, recebeu crescentes ingressos de royalties de gás/petróleo, que só recentemente, com a queda do preço do petróleo, sofreram retração relevante.
Considerando tais aspectos estruturais, os governos em exercício tiveram condições mais civilizadas e maior autonomia para adotar medidas fiscais e de reforma do Estado exigidos anualmente pela Secretaria do Tesouro Nacional. Ante tais condições, fez o chamado “dever de casa” no campo fiscal, empreendendo avanços na sua estrutura fazendária e introjetando uma cultura de gestão pautada na eficiência.
Afora os impactos localizados da crise internacional em 2009, houve um quadro de bonança entre 2003 e 2012, estimulando a receita e com ela a elevação dos gastos e a tomada de novos empréstimos. Os empréstimos se deram notadamente a partir de 2007, tomando recursos a baixos custos junto ao BNDES, CEF e BID, visando financiar novos investimentos e, no caso do Espírito Santo, sem comprometimento de suas finanças.
Na esfera fiscal utilizou prioritariamente a ampliação de receitas(expansão real de cerca de 80%, entre 2003/2008) e o menor comprometimento com despesas financeiras para expandir investimentos públicos,exercitando, assim, fortemente,o viés desenvolvimentista arraigado na tradição política estadual. Ampliou a despesa com pessoal (no mesmo período citado, crescimento real de cerca de 40%), adotando uma política de reajustes salariais sempre abaixo da inflação,ao mesmo tempo que possibilitou novas contratações e qualificação de pessoal.
No período mais favorável obteve superávits primários (2003/2008), acumulando reservas financeiras para 2009 e 2010. A partir de 2009 operou com superávits primários apenas em 2011 e 2012 sendo que os déficits se deviam aos investimentos financiados com operações de crédito, sem deixar de cumprir, até 2012, as metas estabelecidas anualmente com a STN.
A reversão macroeconômica a partir de 2014, com taxas de crescimento da economia nulas e, em 2015, fortemente negativas, além de desvalorização sensível da taxa de câmbio, inflação na casa de dois dígitos, e queda dos preços do petróleo, gerou impactos perversos sobre as contas estaduais, em particular sobre as receitas. Antefortes desafios, o novo governo que assumiu em 2015 teve a seu favor a herança de 12 anos de contas públicas sob controle, com níveis de poupança corrente no último ano acima de 10%, com baixa variação de 2014 para 2015. A adoção rápida e firme de medidas fiscais duras (corte de investimentos de 71%, congelamento de salários,renegociação de débitos tributários) possibilitou fechar 2015 sem maiores problemas fiscais.
Todavia, é equivocado se inferir que as ações do governo estadual são aplicáveis,com resultados similares, em muitos estados da federação. A herança de endividamento de cada um e o peso das despesas financeiras é crucial para traçar os limites e alcances de uma atuação estritamente fiscal como aqui se deu.
* Doutora em Ciências Econômicas, Professora da Universidade Federal do Espírito Santo e Coordenadora do Núcleo de Conjuntura.
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