Por: Neide César Vargas*
Discutir seriamente a questão, sem vender ilusões e fórmulas mágicas, implica entender que, além das iniciativas adequadas de cada governante, existem limites estruturais ligados ao perfil e ao estoque da dívida dos estados junto à União que trazem efeitos distintos sobre os mesmos, notadamente nos de maior peso como RS, MG, RJ e SP. Tais limites demandam mudanças no modelo federativo e precisam ser enfrentados pela via de uma rediscussão da institucionalidade fiscal vigente.
Só a título de ilustração inicial tem-se que, em 2015, a relação dívida líquida do conjunto dos governos estaduais equivaleu a 10% PIB sendo que cerca de 8% do PIB se deve ao refinanciamento junto ao governo federal ao amparo da Lei 9496/97. Desta, cerca de 90% atinge em cheio os maiores estados, todos eles comprometendo cerca de 13% da RLR com encargos devidos a este item de dívida. Em 2008,ano que as receitas ainda não haviam sofrido efeitos da crise internacional, o ES comprometia apenas 5,7% da receita corrente disponível com despesas financeiras e o Rio Grande do Sul 18,9%.
O que cabe ressaltar é o aspecto comum a todos os estados, qual seja, o modelo federativo e suas institucionalidades, implantados entre 1995/2000, os quais – do meu ponto de vista - exigem reformulações. O Brasil saiu de uma situação de total descontrole no que tange a questão do endividamento estadual, típica dos anos 1970 e 1980, para uma institucionalidade federativa extremamente rígida e insustentável no longo prazo. Essa institucionalidade foi construída tendo como instrumentos marcantes os acordos de renegociação de dívida sob o amparo da Lei 9.496/97 (1996/1998) e a LRF (2000). Ela deu resultados no plano macroeconômico especialmente até a crise internacional de 2008, apesar de embutir desde o inicio alguns aspectos insustentáveis em termos da gestão fiscal/financeira dos estados.
Existe uma dimensão federativa da crise fiscal e financeira dos estados na atualidade e que precisa ser enfrentada por reformulações nessa institucionalidade. Isso traz dificuldades no Brasil pois disseminou-se na sociedade, entre os economistas e na imprensa que tais regras são intocáveis e mexer nas mesmas seria promover irresponsabilidade fiscal. Mas os dados mostram que a regra rígida já denota esgotamento e tende a tornar-se inócua além de poder gerar situações de estrangulamentos graves dos serviços essenciais a cargo dos estados.
No final de 2015 o IPEA fez um relevante seminário internacional discutindo a necessidade de novas regras fiscais, que se preocupem com a responsabilidade fiscal mas que também embutam flexibilidade nos contextos macroeconômicos adversos. Para além das condições macroeconômicas adversas, eu acrescentaria que tais regras devem também considerar a garantia do cumprimento das funções constitucionais mínimas que cabem a cada ente federativo. Penso que projetos sólidos de provisão de serviços da parte dos governos subnacionais, por exemplo, na educação, saúde, assistência social e segurança pública, deveriam contar com mecanismos flexibilizantes no que diz respeito ao gasto com pessoal. Não fazendo isso, corre-se o risco de ampliar a carga tributária continuamente e ver o Estado, em todos os níveis, inclusive em municípios sem quaisquer problemas de endividamento e com saúde fiscal, descuidarem de seus encargos constitucionais, deslegitimando as suas funções junto à sociedade.
A institucionalidade fiscal vigente já cumpriu um papel. Mas é necessário seguir avançando no sentido de construir regras nacionais mais flexíveis e, talvez, construir regras estaduais específicas que contemplem as peculiaridades de cada estado. A dívida subnacional continuaria sendo controlada em nível nacional, dentro de condições de comprometimento com despesas financeiras um pouco mais toleráveis, mas os gastos com pessoal poderiam ser controlados em nível estadual, por meio de regras claras que priorizassem não o empreguismo e a ineficiência mas sim a garantia dos serviços básicos de qualidade, sem a necessidade de terceirização e outros artifícios de desoneração de funções.
Numa nova institucionalidade federativa a dimensão fiscal no plano subnacional deve compatibilizar a responsabilidade fiscal com quadros de exceção macroeconômica e com a necessidade da garantia efetiva e sustentável dos serviços básicos à população. Isso depende de uma rediscussão dos termos dos acordos de dívida ao amparo da Lei 9496/97, em parte flexibilizados em fins de 2014, bem como alguns ajustes na LRF.
Em síntese, é simplista abraçar a ideia de que a saída da atual crise fiscal/financeira dos estados se dá pelo aprofundamento do corte de gastos e das reformas da máquina estatal estadual transferindo funções para o mercado e terceiro setor, ou mesmo por meio da ampliação de receitas renegociando débitos tributários com as empresas como fez o Espírito Santo. É fundamental uma rediscussão da institucionalidade fiscal federativa, cuja padronização e rigidez traz em sérios riscos à provisão de serviços de responsabilidade dos governos estaduais, notadamente nas situações de retração do PIB como se deu em 2015.
* Doutora em Ciências Econômicas e Professora da UFES.
** Publicado também em Folha Diária
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