Por: Aylê-Salassié F. Quintão*
Líderes políticos não agem assim. Não têm condinomes, sorriem cinicamente, e decidem nas sombras, cochichando. Dilma, dizem, sempre agiu com ousadia e agressividade, como se estivesse ainda com uma arma na mão: voz rouca inimitável, sorriso quase forçado e cara de poucos amigos, seguidos de algumas ameaças e meia dúzia de palavrões.Tenho dúvidas em escolher o melhor. São cenários individuais, quase patológicos, em que a ética é frágil, a postura de estadista e a responsabilidade social não existem.
Permeado por esses personagens, o momento político brasileiro dá a impressão de que estamos em Valhalla, convivendo com fantasmas e mortos-vivos. Esses seres de aparências “metamorfósicas” e comportamento repugnante habitam as sombras em Brasília, reunindo-se em submundos, mesmo habitando palácios e mansões. Todos eles tem seus gabinetes escusos , como um “bunker” de Hitler ou a sala onde Stálin se isolava. Brasília está cheia disso. Ulysses, que era mais democrata, gostava de um restaurante; Figueredo escondia-se no Torto, Collor na Casa da Dinda e o general Castelo freqüentava a intimidade de um jornalista famoso. Assim, sem que a população tome conhecimento efetivo do que está acontecendo, as decisões adotadas em Brasília surgem das sombras e seus protagonistas agem como cavaleiros negros.
Nesses dias que antecederam à votação da admissibilidade do impeachment na Câmara, enquanto Dilma andava de bicicleta às margens do lago Paranoá, alguns cavaleiros agiam nas trevas. Elizeu Padilha, Romero Jucá, Aécio Neves e o próprio Temer controlaram silenciosamente a votação, recolhidos no Jaburu, assediados pelos súditos imaginários. Lula, Berzoin, Jacques Wagner, deputado José Guimarães instalaram-se em diferentes bunkers, para tentar cabalar votos com promessas e distribuição de cargos de Estado e – pasme-se – liberar o dinheiro das emendas para deputados .
Aparentemente fora do ar, longe da população, protegidos por fortes esquemas de segurança particular e até milicianos, todos se esconderam para decidir no tapetão do Alvorada, do Planalto, do Jaburu, em hotéis e em almoços e jantares furtivos na casa de um e outro, discutindo alianças imaginárias presentes e futuras, bem como o destino dos falecidos. Era o festim dos mortos vivos. O povo, como sempre, foi jogado na arena da Esplanada dos Ministérios, para, chorar seus mortos que não ressuscitam ou, em nome deles, promover um suicídio coletivo. Para os que conspiram nas sombras isso não tem a menor importância.
Cidade, palácio, templo, asteróide, cemitério, Valhalla, nas suas ambigüidades, é na mitologia nórdica um majestoso e enorme salão com 504 portas, situado em Asgard, reino dos deuses, mundo distinto do espaço destinado aos mortais, Midgard. É dominado pelo deus Odin. Os escolhidos por ele, entre os que morrem em combate são levados para Valhalla pelas valquírias, a outra metade vai para os campos Folkvang da deusa Freyja. Em Valhalla, os mortos se juntam às massas dos que morreram em combate, bem com aos heróis da mitologia, que se preparam para ajudar Odin, agora durante os eventos catastróficos do Ragnarök..
O Brasil vive um bom momento para desvendar os sentidos oculto, desambiguar lugares, discursos e pretensões imaginárias do reino das trevas que permeia o Estado. É a oportunidade de buscar novos formatos, novas configurações e desalojar os que se escondem em Valhalla. O País vai precisar de alguns psicanalistas e lingüistas, e não apenas de economistas e políticos. Esses estão se suicidando aos poucos.
Enfim, se o governo dos mais vivos do que mortos existe, o Parlamento Digital, aquele que conecta o imaginário popular, seja na rua ou virtualmente, é uma força que não pode mais ser ignorada pelos que se fazem de mortos e de surdos. Está condenado ao fracasso, o governante que tentar agir sobre os que perderam o entusiasmo para o que lhes é oferecido como melhor. O intolerável continuará de pé (Delgado), reproduzindo-se virtualmente, atraindo em número crescente as ignoradas maiorias silenciosas. Um país novo como o Brasil não pode ficar na dependência da gestão de heróis e mortos-vivos, nem somente do que eles se propõem como solução.
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*Jornalista, professor. Doutor em História Cultural