Anaximandro Amorim*
Henri Désiré Landru era um sujeitinho esquisito. Baixinho, feio, muito calvo, um todo desarmônico, seria o tipo que muito dificilmente chamaria a atenção do sexo oposto. No entanto, Landru conseguiu se corresponder com, pelo menos, 283 mulheres, das quais onze, literalmente, sucumbiram aos seus "encantos". Conhecido como "O barba azul de Gambais", o estranho homem é isso mesmo que você está pensando.
Nascido em Paris, em 12 de abril de 1869, Henri Désiré Landru era o filho mais novo de um motorista com uma costureira e lavadeira. Apesar da origem humilde, teve, aparentemente, uma infância feliz. Obteve acesso à educação formal e sonhava ser arquiteto, coisa que nunca se concretizou. Mesmo assim, trabalhou em um grande escritório de arquitetura de Paris, como técnico. Casou-se e teve quatro filhos. Um tipo comum, que passaria em branco para a História.
A biografia de Landru começa a chamar a atenção na virada do século XIX para o XX. Nesse período, Henri Désiré troca de emprego umas 15 vezes, fazendo de tudo: contabilidade, comércio, cartografia, bombeiro hidráulico, dentre outros ofícios. No entanto, é no estelionato que Henri começa sua carreira: anunciando sua "fábrica" de bicicletas movidas a petróleo, começa a "vendê-las" por encomenda, desde que o "comprador" enviasse um terço do valor do "negócio". Landru consegue um bom dinheiro e some do mapa, sendo preso posteriormente e outras tantas vezes que acaba sendo condenado, em 1909, a reclusão em uma prisão na Guiana Francesa.
Segundo relatos médicos da época, a reviravolta de Landru se deu nesse período: a prisão, ao invés de regenerá-lo, contribuiu para despertar o monstro que havia dentro dele. De volta à França, em 1914, sem dinheiro, Henri resolve botar em prática seu mais novo plano. Simulando-se um remediado viúvo, publica anúncios no jornal, procurando mulheres não muito ricas, mas também nem tão pobres, interessadas em namoro. Usando mais de 90 pseudônimos, Landru chega a alugar belos imóveis, de preferência afastados de Paris, para impressionar sua vítimas, fixando-se, por fim, em Gambais, no departamento de Yvelines, região da capital francesa.
Os expedientes do "Barba Azul de Gambais" se deram ao curso de quatro anos, durante a I Guerra Mundial. Era o momento perfeito, pois a nação francesa estava mais preocupada com o conflito e com a crise da época do que com o desaparecimento de uma dezena de mulheres. A coisa toda mudou de figura com o fim da guerra, quando o prefeito de Gambais recebeu uma carta de uma Madame Pellat, preocupada com o sumiço de sua amiga, Madame Colomb, casada com um certo Monsieur Dupont. O prefeito respondeu não haver nenhum Dupont nas redondezas. Cismado, ele recebe, mais tarde, uma segunda carta, de uma Mademoiselle Lacoste, querendo notícias de sua irmã, Célestine, casada com um certo Monsieur Frémyet...
O início do fim de Landru se dá em 8 de abril de 1919, quando uma vizinha de Mademoiselle Lacoste reconhece o homenzinho de braços dados com uma nova namorada, na Rue Rivoli, coração de Paris. Preso no dia do seu 50º aniversário, em sua casa foram encontrados 4 kg de ossos calcinados, sendo 1,5 kg de ossos humanos, 47 dentes ou fragmentos de dentes, de, ao menos, três crânios, além de mãos e pés humanos. Além disso, havia algumas serras e serrotes. Ninguém da vizinhança desconfiava do discreto baixinho, se bem que, de vez em quando, a chaminé daquela casa exalava um "odor fétido".
Foi muito fácil comprovar os, pelo menos, 11 crimes de Henri Désiré Landru. Meticuloso, ele guardava um caderninho, com o nome das vítimas, a data do óbito e a soma que ele auferia, numa verdadeira "contabilidade da morte". O processo, que durou dois anos, chocou a opinião pública da época, e culminou com a execução do acusado, apesar de ele insistir inocência. Ainda havia pena de morte na França e Landru foi guilhotinado (sim, a guilhotina foi usada por lá durante uns 200 anos!) em 25 de fevereiro de 1922, em Versalhes. Questionado pelo seu advogado se ele confessava todos os crimes, suas últimas palavras foram: "Doutor, isso, eu levo comigo".
Quase cem anos se passaram e a história de Landru ainda é assustadora, revoltante e incrivelmente atual. Psicopata clássico, o que o diferencia de um Maníaco do Parque, Maníaco da Moto ou de uma Suzane von Richthofen é apenas a data. São criaturas utilitaristas e extremamente sedutoras, mas não necessariamente assassinas. Estão por aí, na família, no trabalho e, até, na política, lugar de excelência para manipulação das pessoas. Particularmente, me interesso muito pelas suas histórias. Não leitor, não tenha medo de mim. Não tenho nenhum esqueleto enterrado no jardim. Só acho incrível como eles conseguem levar na conversa até os mais céticos. Talvez seja pela nossa vontade intrínseca de acreditar em algo (ou alguém). Mesmo que esse alguém tenha sido um homem tão esquisito como Henri Désiré Landru.
*Advogado e Escritor.
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