Fabrício Augusto de Oliveira*
Independentemente do resultado do processo de impeachment, que a presidente Dilma Rousseff e a esquerda lulista continuam insistindo em considerar como golpe, mesmo com o Supremo Tribunal Federal (STF) reiterando ser este um instrumento legítimo da democracia brasileira contemplado na Constituição, a economia brasileira não irá, tão cedo, conseguir superar seus problemas e reencontrar-se com o sol do crescimento econômico. Pelo contrário, não poucas tormentas deverão continuar sobre ela desabando, aprove-se ou não o impedimento da presidente que atualmente se encontra em fase de apreciação inicial no Senado Federal.
Para uma política econômica ser bem sucedida, é indispensável que conte com legitimidade para a aprovação de projetos que se consideram essenciais para a solução dos problemas que o país enfrenta e com a confiança dos agentes econômicos relevantes de que se está pelo menos construindo uma ponte confiável para o futuro da economia. Infelizmente, essas duas questões – confiança e legitimidade – inexistem, na atualidade, em relação ao governo e à política econômica, o que poderá se agravar com qualquer desfecho que for dado a este episódio político.
Caso o impeachment naufrague, tudo indica que não haverá clima suficiente para despertar a confiança e a credibilidade do governo por parte dos agentes econômicos e de boa parte da população, frustrada em seu propósito de passar o Brasil a limpo, para apoiar um novo projeto de política econômica, mesmo com promessas salvadoras de saída para a crise. Até mesmo porque este, até o momento, não foi sequer formulado ou apresentado. E, a continuar a política econômica em curso, que deve manter o país ainda por mais um bom tempo no inferno da recessão e do desemprego, certamente o descontentamento e os protestos contra o governo deverão aumentar, juntamente com as incertezas sobre o futuro da economia.
De fato, depois de ter assumido o cargo há mais de três meses, as primeiras medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, centradas exclusivamente na tentativa de melhorar a situação fiscal e de dar algum fôlego para a demanda, por meio da expansão do crédito, não apontam nenhuma saída para a crise, apenas indicando que esta poderá se agravar. O déficit primário anunciado de R$ 96 bilhões, muito como resultado do encolhimento das receitas, menor que o de 2015, mas sem o pagamento de R$ 57 bilhões das chamadas “pedaladas fiscais”, indicam que deve aumentar a desconfiança na capacidade do governo de honrar sua dívida, podendo-se esperar por mais rebaixamentos da nota de crédito do Brasil pelas agências de rating, e na política econômica de, criativamente, formular uma proposta convincente de superação dos problemas atuais. Pode parecer um exagero, mas expectativas pessimistas do mercado já apontam para uma queda do PIB que pode chegar a 6% em 2016. em caso de permanência da presidente no cargo.
Caso aprovado o impeachment e colocado o PMDB no comando do país, o cardápio da política econômica poderá ser ainda mais trágico, por três razões. A primeira, por se tratar de um novo governo também sem qualquer legitimidade política. A segunda, pelos nomes que vêm sendo ventilados para assumir o comando da economia, que nada mais são do que representantes ou funcionários do capital, especialmente do capital financeiro, o que deve aumentar a oposição às medidas de política econômica que venham a ser propostas para a saída da crise. A terceira, pelo conteúdo de programa deste partido, já divulgado, denominado “Ponte para o Futuro”.
De acordo com este programa, a principal reforma que poderá mais rapidamente encaminhada para aprovação, será a da desvinculação das receitas do orçamento para o financiamento das políticas sociais e a da extinção do reajuste do salário mínimo acima da inflação, numa época que promete ser a de uma verdadeira caça aos gastos do Estado. Sem resolver o problema da crise, já que não trata de nenhuma mudança estrutural mais efetiva para sua solução, à recessão que, também neste caso, deverá se agravar, se somará um aumento da velocidade do desemprego e da miséria. Projeções também nada otimistas indicam que, nessas condições, a retração do PIB poderia ser algo menor, em torno de 4%, mas pouco se pode dizer sobre o futuro do país, dado que as tensões sociais e a oposição ao novo governo tenderão a aumentar.
O fato é que o desarranjo que foi produzido na economia com o fim do período de vacas gordas do crescimento mundial, da China e da explosão dos preços das commodities, sem que isso fosse aproveitado para a realização de reformas estruturais, visando ampliar os limites do crescimento e torná-lo mais sustentável, significou também o fim de um acordo de conciliação entre as classes sociais, insustentável no longo prazo sem este crescimento, em que “os pobres se tornariam menos pobres” e os “ricos mais ricos”. Na ausência do crescimento e da impossibilidade de se continuar mantendo este pacto, com as dificuldades financeiras enfrentadas pelo Estado, todas as classes e frações de classes, de uma maneira geral, dele participantes, passaram a questionar, deslegitimando-o, quem acreditam ser o responsável por retirar-lhes os ganhos que vinham obtendo: o governo/Estado.
Nessas condições, com impeachment ou sem impeachment, o problema da economia não será resolvido tão facilmente. Enquanto não for redefinido um novo pacto entre as forças sociais em torno de um novo projeto para o país, o sol do crescimento continuará barrado, impedindo-se à sociedade e à economia de receber sua luminosidade. Por mais que existam otimistas de um ou de outro lado da trincheira do impeachment, não haverá como escapar, assim, dos estragos produzidos por uma política econômica que sem competência para promover políticas redistributivas sustentáveis, especialmente por comprometer-se, ao mesmo tempo, com o respeito às regras do capital, conduziu o país ao inferno da recessão e à crise política, que dividiu a sociedade em polos divergentes e antagônicos.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.