Aylê-Salassié F. Quintão*
Por aqui, tudo é possível, mesmo que nada dure. A governabilidade sempre oscilou entre regimes democráticos, ditatoriais, populistas, nacionalistas, fascistas, autoritários, golpistas, socialistas “tropicais” e até pseudos-revolucionários. Constitucionalismo e estabilidade é ficção. Muito monótono para o calor dos trópicos. Não existe na terra um continente com tanta instabilidade política quando a América e, nela, particularmente o Brasil: mais de 120 anos de República, sete constituições , quase a metade dos presidentes militares, alguns golpes explícitos e outros dissimulados.
Assim, pequenos segmentos e indivíduos sem qualquer representação se acham no direito de tomar o Poder, e governar sem nenhuma responsabilidade com as instituições, nem mesmo com a população. Por entender que “Abaixo do Equador tudo é possível”, os grandes ideólogos nunca se ocuparam com seriedade da América abaixo do Rio Bravo. Tudo aqui é possível. Os nazistas remanescentes morreram por aqui. Trotski foi assassinado no México. Não conseguimos nos proteger sequer de práticas religiosas espúrias , como a do reverendo Jim Jones, que conduziu, nas Guianas, os fiéis ao suicídio coletivo. Miscigenando, os imigrantes fizeram e fazem a festa na América. Enquanto isso as verdadeiras populações nativas vão sendo dizimadas aos olhos indiferentes das nações e dos governos.
Em condições como essas, alguns ganharam muito dinheiro, outros não. Não se trata heranças de riquezas particulares históricas. A maioria das grandes famílias faliram. Nem propriamente de corrupção. Essa prática nasceu aqui com os portugueses, e vai durar até que, após a “delação premiada”, cheguemos ao “harakiri ” . Todos as distorções vem da nossa formação. A escola privada mantém viéses dos conservadores, a pública navega ao sabor das ondas. A título de praticar a liberdade de pensamento, os currículos são abertos, de conteúdo frágil, dentro do qual cabem todas as aventuras pedagógicas de governos irresponsáveis, professores desmotivados, carreiristas e até mal intencionados.
Tem razão o senador Cristovam Buarque. O segredo está na educação. Fomos domesticados no capitalismo, e convencidos de que somos naturalmente (tropicais) preguiçosos. Zombamos de nós mesmos. Desde a colônia acreditamos também no Estado supridor. Periféricos e provincianos, aceitamos humildemente que as riquezas nacionais ao invés de, com o trabalho, gerar o próprio capital, admitimos que ela advenha do dinheiro fácil que flui da Wall Street, da Fleet Street, dos Champs des Elissés e até de “doações a fundo perdido da Alemanha. A indústria estrangeira maqueia nossas matérias primas e nos vende por valores três vezes maiores. Ideologias, tecnologias, e até moda, perfumes, nos são impostas como vanguardas sociais e filosóficas . Acreditamos na história que nos contam de que a estrutura social está configurada em apenas duas classes - rica e pobre - em luta permanente. Como a classe média é significativamente representada nesse contexto no Brasil, onde ela se situaria nessa luta de classes? Ela é a grande oportunista: bandeia de um lado para outro, segundo as conveniências: coletivas?! Não, individuais mesmo.
Os currículos escolares precisam ser mudados para dar racionalidade à vida política e social no Brasil. É preciso retomar o ensino da filosofia para instrumentalizar o brasileiro a decodificar a existência, entendê-la e proteger-se das idealizações messiânicas e mercenárias de mundo que limitam a criatividade do sujeito na terra. É preciso que o povo conheça também um pouco da sociologia para compreender o funcionamento da sociedade e o espaço que cabe a cada um, libertando a si mesmo como massa de manobra de milagreiros e apelos políticos vazios. Seria conveniente também que, desde cedo, se ensinasse um pouco de economia, para poder distinguir a gestão da economia doméstica da microeconomia e da macroeconomia, e não cair no erro de achar que se pode administrar políticas macroeconômicas (públicas) a partir de uma loja de R$1,99. Dois viéses praticamente sem conexão, pelo menos num País de 200 milhões de habitantes.
Por todas essas razões nunca tivemos e provavelmente nunca teremos um Ghandi, um Mandela, um Luther King, nem tolerância para que existam. Estaremos sempre em convulsão, devido ao nosso egoísmo ou à cultura da apropriação privada de riquezas e do Poder. O constitucionalismo não vai também resolver nossos problemas. Ele é apenas um detalhe da democracia. Tem razão o senador Cristovam Buarque. O segredo está na educação. A estrutura curricular precisa ser descontaminada para se adaptar às novas tecnologias, que surgem como a grande esperança. Mas não se pode abrir mão de uma base pela qual ainda não passamos efetivamente : currículos que preparem o sujeito para a vida, e não exclusivamente para uma profissão ou à subserviência.
* Jornalista, professor. Doutor em História Cultural