Fabrício Augusto de Oliveira*
O ex-presidente Lula parece ter encontrado um novo alvo para responsabilizar pela crise econômica do país: a Operação Lava Jato ou, mais especificamente, o juiz Sérgio Moro. Em discurso a sindicalistas, do estado de São Paulo, no dia 23 de março, deu o novo endereço da origem ou da persistência da crise: “queria que vocês procurassem o juiz Moro para perguntar quanto já deu de prejuízo à sociedade brasileira. Se não é possível combater a corrupção sem quebrar as empresas, sem gerar desemprego”.
Depois da crise mundial, no início vista apenas como uma “marolinha”, e do poder de destruição do tecido econômico pela política do ajuste primário do ex-ministro, Joaquim Levy, chegou a hora do juiz Sérgio Moro se juntar ao grupo dos que prestam desserviço e prejudicam o país. Do ponto de vista de Lula, não fossem esses pequenos percalços e incidentes (a crise internacional) e estes sátrapas (Levy e Moro), a situação do Brasil seria muito diferente.
No mesmo discurso, Lula continua confiante no fato de ter adotado uma política econômica exemplar em seu governo e de que poderá novamente fazê-lo a qualquer momento: pede a todos “seis meses de paciência”, aí incluídos os parlamentares, prometendo que “vamos provar que este país vai voltar a ser o país da alegria”. Como alguém que carrega uma varinha de condão para resolver todos os problemas, há de se convir que não deixou de ser até modesto em pedir um prazo de seis meses para recolocar o Brasil no paraíso.
A fala de Lula foi entusiasticamente aplaudida pelos sindicalistas presentes e há quem, de fato, acredite em suas bravatas, já que, fora do governo, essas são permitidas como ele mesmo afirmou em 2003. Mas algumas considerações devem ser feitas sobre suas colocações neste encontro para que não se criem ilusões sobre a mesma.
Lula tem alguma razão ao atribuir alguma responsabilidade à Lava Jato no agravamento da crise, considerando que as principais empreiteiras do país praticamente paralisaram seus negócios, contribuindo para derrubar os investimentos. O principal investidor, no entanto, a Petrobrás, que alimentava essas empresas com projetos e recursos, assim como o próprio governo, não perdeu essa condição por causa dessa operação. Perdeu por causa da política econômica que sangrou suas receitas, com o congelamento dos preços dos combustíveis, da crise mundial, que derrubou os preços das commodities, e do assalto realizado aos seus cofres, razão da Lava Jato. Interromper as investigações da Lava Jato, como parece sugerir Lula, não vai permitir ao país retomar os investimentos e só vai aguçar ainda mais a desconfiança que paira sobre o governo, porque, sem passar essa questão a limpo, não será desfeita a dúvida que mantém em xeque sua credibilidade.
É simplista também sua visão sobre a crise que, na sua análise, poderá ser resolvida com uma mudança de nomes no comando da economia e com um rearranjo dos instrumentos de política econômica voltado para fortalecer a demanda agregada, como foi feito na crise do subprime, com a expansão do crédito, dos gastos públicos e dos incentivos ao consumo e aos investimentos. Isso porque, nem o Estado se encontra atualmente em condições financeiras para continuar bancando este processo, nem a população, em geral, premida por um elevado nível de inadimplência e assombrada pelo fantasma do desemprego, mostra disposição para comprar, assim como os investidores, diante das incertezas reinantes na economia internacional, na política econômica e no futuro do governo, parecem dispostos a correr riscos com a expansão de seus negócios, mesmo porque se defrontam com uma demanda que se enfraquece crescentemente.
A verdade é que a crise atual é bem mais complexa do que a desenhada por Lula, agravada pelas condições da economia internacional, com fortes componentes políticos. É, na verdade, a crise de um modelo que procurou conciliar os interesses dos pobres com o dos ricos, respeitando-se as regras do capital e evitando penalizar a riqueza financeira. Um modelo que somente seria sustentável, no longo prazo, se perdurassem as condições necessárias para que o país se mantivesse numa trajetória de crescimento, para o qual muito pouco se fez ao não se realizar as reformas estruturais requeridas para essa finalidade, e que se esgotou com a crise mundial iniciada no final da década passada.
Na ausência do crescimento, tornou-se impossível manter este acordo em que todas as classes e frações de classe saem ganhando e nenhuma perdendo, a não ser, como ocorreu nos últimos anos, causando fortes rachaduras no modelo liberal, a falência financeira do Estado e a paralisia dos investimentos diante das incertezas que surgiram e aumentaram com este quadro.
Trata-se, assim, também de uma crise de legitimidade. Essa é, portanto, é bem mais complexa do que pensa Lula. Uma crise que, para ser equacionada, passa pela redefinição de um novo pacto entre as forças sociais em torno de um novo projeto e de uma agenda de crescimento para o país, o que não se faz da noite para o dia. Mesmo se o impeachment não frustrar seus planos, não vai ser com meras mudanças cosméticas nos instrumentos de política econômica, como propõe, nem por considerar-se capaz de “remover montanhas”, e menos ainda com os gestores de política econômica da ortodoxia com que sonha, que conseguirá devolver, em apenas seis meses, “a alegria para o seu povo”.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.
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