Ricardo Coelho dos Santos
Numa certa feita, procurei um médico. Sou meio surdo e precisava saber o quanto estava minha capacidade de audição. Faço isso com certa periodicidade. Sou daqueles que resistem à ideia de usar aparelho de ouvido. Mas estou consciente de que tenho de saber exatamente o quanto consigo escutar.
Vendo a demora em atender, procurei a sargento da recepção. Sim, ela mesmo, a recepcionista. Deve ter feito estágio em alguma junta de alistamento militar ou, mais adequado ainda, era a responsável pela carceragem em uma das nossas confortáveis prisões do estado (soube, quando estava fora, que até piscina quiseram instalar numa cadeia dessas).
Ela explodiu comigo: “Eu chamei pelo seu nome! Afinal, o senhor é surdo?”. Bom, se eu não fosse, confesso que não estaria lá. Mostrei minha insatisfação ao médico e ele lamentou. “É o que eu consigo arranjar. O senhor tem alguma solução?” — perguntou.
Bom, eu tinha. Troquei de médico! Um bom médico foi derrotado pela recepcionista.
Confesso que não tenho muita paciência com quem não sabe trabalhar! Conheci uma recepcionista atrapalhada, que confundia o nome várias vezes, mas tratava a gente tão bem, a função dela não era acertar nomes, mas receber pessoas, que me senti à vontade! Bom, precisava ficar calmo, pois era um urologista que queria examinar minha próstata! Nenhum homem se sente confortável numa sala de espera dessas, mas a boa velhinha, com extrema competência, trocando o nome mesmo, não deixou de tratar a todos bem, e isso tranquilizou os pacientes.
Bom, hoje, essa senhora deve estar vivendo da sua minguada aposentadoria, e a sargento deve estar trabalhando ainda. Uma pessoa competente se aposentando faz sobrar vaga para um incompetente.

Esse é o mal do Brasil: a incompetência, que vai desde a forma de tratar até à gestão das grandes empresas. E isso não é de agora! Alguém deve se lembrar que havia dois momentos de euforia na vida do brasileiro: quando ele ganhava na loteria e quando conseguia uma linha telefônica. Fui tentar uma linha, no Rio de Janeiro. No cadastro, perguntaram o meu número de telefone. “Não tenho!” — respondi. “Mas como o senhor quer um cadastro sem um número?” — o rapaz perguntou.
Até no turismo a questão é delicada. Um recepcionista de hotel, com provavelmente a mesma formação da recepcionista já citada, reclamou que eu não tinha endereço de e-mail. O caso é que não gosto de receber e-mails de quem não conheço, e hotéis e congêneres não somente mandam a nota fiscal para o nosso endereço, como dois quilos de propaganda por dia! E, entre notas fiscais, existem outras notas que, se eu abrir, terei de chamar um técnico em vírus para ver o que dá para salvar do meu micro. Assim, imagino como vive alguém sem acesso à Internet e sem poder acessar às Notas Fiscais! Deve passar pelo mesmo problema que eu, que, para continuar o cadastro do telefone, dei o número do meu setor de trabalho, que raramente visitava, pois meu serviço era embarcado.
Conversando com um presidente de uma entidade nacional de Engenharia Civil, arrisquei perguntando porque essa estava tão mal no Brasil. Ele me contestou na hora. “O senhor está enganado. Não está mal. Está péssima!”. O assunto veio à tona por causa dos vazamentos de tetos que encontramos em grande parte dos prédios quando chove, sem contar com a inclinação da calçada que leva a água para dentro do estabelecimento.
Já vi médicos entrar em pânico por não saberem tratar de uma pessoa com súbita queda de pressão, engenheiros desesperados atrás de uma calculadora para calcular quinze por cento de cem (vocês saberiam da resposta?) e contadores que erram no orçamento do próprio baile de formatura! Sem contar com guardas de trânsito que conversam com os colegas enquanto um carro fura o sinal vermelho e até uma transportadora que não conseguiu achar, em Vitória, a Avenida Fernando Ferrari: “Trabalho há vinte anos no ramo e nunca ouvi falar dessa tal rua!”.
Eis o mal do Brasil: incompetência crônica! Não podemos sequer formar uma geração de competentes, pois não podemos premiar uns para incentivar os demais. Pelo contrário, premiando quem sabe, pode se constranger quem não se esforça! Nossos resultados nas pesquisas sobre educação são reprovativos, e nada sobre isso é feito, senão, aumentar mais ainda nossa escola de incompetência. Apliquei, numa feita, uma prova, num curso, e aqueles que deveriam ser nossos templos de saber cometeram erros astronômicos de gramática, com garranchos incompreensíveis que chamaram de letras. Eram professores que não sabiam sequer escrever direito! Isso leva a crer que o mal do Brasil, nossa doença, está à beira de uma metástase!
Em consequência, não deveríamos nem estranhar tantos desmandos dos nossos políticos. Literalmente, eles tiveram escola!
Há gente séria, culta, informada, bem preparada e realmente preocupada com o Brasil. E, entre esses, incluem, certamente, bons professores, engenheiros decentes e bons guardas e policiais. Entretanto, esses são uma minora abafada por uma maioria barulhenta, festeira, que raramente deixa a razão se impor. Isso, então, entranha na política e nas organizações. A doença pega e se transmite pelo ar, via canais de rádio e TV.
Existe uma vacina para esse mal, é homeopático e demora muito, muito mesmo, a fazer efeito. Pode ser também uma dolorida injeção. O paciente escolhe!