Guilherme Henrique Pereira*
É lamentável, mas é verdade. A política, nos últimos anos, está banalizando a gestão pública. O que antes parecia incompatível com a ética na política, hoje é prática normal negociar com partidos espaços no governo que lhes são entregues com autonomia total ou parcial para fazerem o que quiserem. É usual a expressão “porteira fechada”, que significa autonomia total para encher o órgão de cabos eleitorais, não realizar nada de relevante e explodir o gasto do governo para na hora que a conta for cobrada colocar a culpa em outro que estiver politicamente mais fraco no momento.
Como conseqüência, pouco importa qual a formação ou experiência de quem será o ocupante do cargo. Você sabe quem são os nossos Ministros? E os nossos Secretários Estaduais? Muito provavelmente nenhum brasileiro saiba nome e um pouco do currículo de todos os nossos dirigentes. Claro, há um número exagerado de Secretarias e Ministérios para atender ao número exorbitante de partidos que temos e, pior ainda, os governantes eleitos não têm o menor escrúpulo em nomear pessoas desqualificadas para o cargo. Querem se livrar o mais rápido possível das negociações, incluir o máximo de partidos na chamada base aliada, com a qual terá tranquilidade para aprovar seus projetos de Leis e, principalmente, não ser fiscalizado pelos representantes do Povo. Definitivamente, tenho muitas dúvidas quando avaliam que a democracia brasileira amadureceu muito.
Vamos passar para um caso real e visitar o noticiário sobre o tal “possível Governo Temer.” Os partidos iniciaram, antes da votação na Câmara, a discussão dos espaços no Governo. Aliás, naquele momento, Temer e Dilma tinham o mesmo a oferecer, mas Temer foi mais vendedor e atraiu mais votos. Agora que o processo avança no Senado, novas negociações são realizadas. Há partidos que, aparentemente, já foram colocados de lado. Vejam o caso do PSB, sonhou com Ministério, agora não é mais citado e faz crítica a escolha para o Ministério de Ciência Tecnologia (aliás, por justiça ao PSB, apesar de seu comportamento oportunista, há que se dizer que sua crítica é muito educada diante do tamanho absurdo admitido pelo Temer). Vários outros partidos estão consolidando posições e nomes em diversos ministérios.
O PP fica com Agricultura, Saúde e Presidência da Caixa. Para Saúde indica Raul Cutait, um dos dois entre os citados com boa formação acadêmica na área, bem como experiência. Seu currículo está no Lattes, mas, com certeza fica a expectativa quanto a capacidade gerencial. Para a presidência da CEF um advogado e funcionário da casa. Agricultura ainda sem citação mais direta.
O PSDB é mais direto na demagogia quando discursa que quer ajudar ao Brasil sem a contrapartida dos cargos, mas, propõe nomes para o Ministério das Cidades (deslocando o Gilberto Kassab), Bruno Araújo, advogado (deputado, parece que não é o cantor sertanejo) desde os 20 anos com mandato no legislativo, sem experiência gerencial; Alexandre de Morais, com sólida formação jurídica e professor na área, tem experiência como secretário estadual, indicado para Advogado Geral da União, não é da linha de execução; e o nome mais conhecido e experiente, José Serra para o Ministério de Relações Exteriores.
PSD deve ficar com o Ministério das Comunicações e indicar Gilberto Kassab, que ainda luta para ficar com o Ministério das Cidades.
PMDB negociou ficar com os seguintes Ministérios: Turismo e indica Henrique Alves; Secretaria dos Portos (deveria, na verdade, ser incorporada aos Transportes) e indica Hélder Barbalho; Planejamento e indica Romero Jucá; Secretaria de Governo e indica Gedel Vieira. Nomes com vários mandatos políticos e baixa formação acadêmicas nas respectivas áreas, porém, com três indicações na operação Lava a Jato. Para o candidato a presidente, Michel Temer, ser investigado não há incompatibilidade com sua escolha. Este negócio de ser colocado sob suspeita e pedir logo demissão, ou até suicídio, é estupidez e só deve acontecer no Japão ou outros países com elevado nível de respeito a coisa pública.
PR fica com transporte e Aviação Civil, outra que poderia ser incorporada. Ainda não foram colocados nomes.
PTB/Solidariedade/PSC ficarão com Desenvolvimento Social, ainda sem nome mencionado; Desenvolvimento Agrário, indicado José Silva; e Trabalho, com indicação de Ronaldo Nogueira.
PRB ficará com o Ministério da Ciência e Tecnologia e o próprio presidente do partido auto indicou-se. Marcos Pereira, com poucas referências nas redes eletrônicas, apenas registram que é pastor da Igreja Assembléia de Deus, sem nenhuma identidade com a área. Também há notícias que já foi preso por estupro e lavagem de dinheiro. Se tornar-se realmente Ministro de C&T, estará materializado o maior desrespeito pela gestão dos negócios do Estado que se tem notícia até hoje.
No Ministério da Fazenda, o ex-Banco Central, homem com experiência em administração de bancos, formado em engenharia civil, mas aparentemente nunca exerceu tal profissão. Fez cedo pós-graduação em administração, ingressou em um banco e neste mercado fez carreira. Henrique Meirelles não parece ter a intimidade necessária com os desafios de formular e implementar políticas econômicas. Já revelou isso dizendo que seu foco será o corte de despesas, tarefa de fato mais ligada ao Planejamento. É preciso que alguém lhe diga que Ministro da Fazenda cuida da geração de receitas, orienta a política monetária, tributária, cambial, enfim, a política macroeconômica. Não será desrespeito inédito pela função, já que por lá passou Antonio Palocci, embora formado em medicina, era mais conhecido pelas suas agitações sindicais e políticas do que como servidor destacado da Secretaria de Saúde onde consta que era ou é empregado.
Pode-se concluir que há um processo em curso, há alguns anos, na gestão pública de diminuir o tamanho do Ministro. E Temer se mostra mais propenso a acelerá-lo do que promover sua reversão. Cada ano que passa, menos importante se torna ser Ministro. A mediocridade do processo político adotado e a irresponsabilidade dos dirigentes eleitos são os culpados por tal gigante dano a administração pública, com retrocessos para os nossos desejados avanços civilizatórios. Em vez de buscar melhorar, os mesmos irresponsáveis acenam com a falsa solução de mudar o sistema de Governo e pregam o parlamentarismo com panacéia.
O quê vem por aí? Banalização.
*Doutor em Ciências Econômicas, Professor.