Fabrício Augusto de Oliveira*
A presidente Dilma Rousseff, além de anunciar a ampliação de alguns programas sociais, reajustou, no último dia 1° de maio, o valor do benefício do Bolsa Família em 9%, em média, e corrigiu a tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas em 5% para o ano de 2017. O benefício do Bolsa Família não era corrigido desde maio de 2014, ano das últimas eleições, e a tabela do Imposto de Renda vinha sendo sistematicamente corrigida abaixo de inflação também em seu governo. Até 2014, a defasagem da correção chegou a 7,7%, devendo aumentar para mais de 20%, considerando que, para uma inflação de 10,67%, em 2015, a correção não passou de 5,36%, não tendo sido feito, em 2016, nenhum reajuste.
Ninguém discorda de que se trata de medidas importantes, necessárias e defensáveis. Afinal, apesar da correção de 9% do benefício do Bolsa Família, a inflação deve rondar a casa mínima de 15% nos últimos dois anos. Já os que pagam o Imposto de Renda, predominantemente contribuintes da classe média, têm sido os maiores prejudicados com as políticas do governo, arcando com os custos dos programas redistributivos, já que os ricos têm recebido tratamento altamente camarada nessa questão.
O que surpreende, nessa decisão, é o fato dela ter sido tomada numa situação crítica da economia brasileira, agravada por um forte descontrole das contas públicas e num momento em que a presidente parece próxima de ser apeada do poder com o processo de impeachment. O aparente “saco de bondades”, que sequer repõe perdas passadas, parece repontar, neste quadro, mais como retaliação ao governo que pode assumir do que propriamente como preocupação com a situação dos beneficiários do Bolsa Família e com a classe média, visando deixar um “legado”.
Michel Temer, por sua vez, começou a montar um governo e uma equipe para comandar a economia, que pouca esperança traz de que o país conseguirá superar suas dificuldades. Isso, por algumas razões. Em primeiro lugar, por falta de legitimidade política do próprio cargo que ocupará, caso aprovado o impeachment, considerando também que não será pequena a oposição que lhe será feita principalmente pelo PT e pelos movimentos sociais. Em segundo, pela razão de vários dos nomes que vêm sendo ventilados para compor seu governo serem réus ou investigados na Operação Lava Jato e no Supremo Tribunal Federal, o que mina, de saída, a confiança e a credibilidade que poderia ter em sua administração. Em terceiro, devido ao fato de que as medidas que deverão ser adotadas, no campo econômico, como tem sido divulgado na imprensa, passarem longe de uma solução para a crise em que o país se encontra mergulhado.
O cada vez mais possível governo Temer tem batido na tecla, corretamente, de que o principal problema do país é a falta de crescimento e que seu principal papel será o de destravá-lo das amarras atuais. Para isso se propõe, em primeiro lugar, ajustar as contas públicas, visando recuperar a confiança do investidor e do empresariado no governo. Sem qualquer criatividade e evitando ações que melindrem as classes dominantes e as camadas ricas da sociedade, lista uma série de medidas ortodoxas que poderão ser tomadas para sanar o déficit primário previsto de R$ 96 bilhões para este ano: privatização de empresas estatais; corte de 70% dos investimentos públicos previstos no orçamento; congelamento dos salários do funcionalismo público; reforma da previdência com o estabelecimento da idade mínima de 65 anos para aposentadoria; redução dos ministérios (mas, nem tanto); desvinculação dos benefícios previdenciários da correção do salário mínimo; desvinculação da receita no financiamento de programas sociais; e por aí afora.
Pode até ser que com a nova liquidação das empresas estatais e com a tesoura voltada para os salários dos servidores e das conquistas sociais da Constituição de 1988, Temer até consiga, ainda este ano, zerar o déficit primário, mesmo com toda a oposição que enfrentará com a adoção dessas medidas. Isso não significa, contudo, que um ajuste fiscal estrutural será alcançado e que os caminhos do crescimento estarão desobstruídos, à medida que o déficit nominal continuará elevado, mantendo em trajetória de crescimento preocupante, a relação dívida bruta/PIB, que certamente deverá ultrapassar a casa dos 70% do PIB.
O que não parece claro para seus formuladores de política econômica são as seguintes questões: i) sem o crescimento econômico, o ajuste fiscal não se realiza de forma sustentável, especialmente por causa da queda das receitas públicas; ii) que um ajuste estrutural não se restringe ao equilíbrio das contas reais, mas também das contas financeiras, e que a responsabilidade pelo maior desajuste atual se deve à política monetária de juros desnecessariamente elevados, cujos encargos representaram 7,44% do PIB, no acumulado de doze meses vencidos em março, e por 76% do déficit nominal deste período; iii) que existem outras alternativas para melhorar as receitas do governo, além da liquidação de empresas estatais e do aumento dos impostos indiretos, bastando, em prol da sociedade e do país, ousadia para lançar pelo menos parte do ônus dessa crise para os ricos, com a cobrança de maiores impostos sobre a renda e o patrimônio.
Ao contrário dos amargos remédios que vêm sendo prescritos pela ortodoxia, para a saída da crise, na mais pura crença de que os investidores rapidamente retornarão com a melhoria do resultado primário, jogando novamente a conta para os menos favorecidos, essa porta só poderá se abrir, na verdade, se se começar a dar um basta à farra da riqueza financeira, com a queda dos juros e com a cobrança de impostos dos mais ricos, dando condições ao Estado de voltar a investir.
Se insistir no primeiro caminho, o governo Temer já começará seu mandato condenado, tal como Dilma, especialmente no seu final, a frustrar as expectativas das esperanças que alguns setores, porventura, tenham nele depositado.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e de Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Política Econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.