Aylê-Salassié F. Quintão*
É golpe!... É golpe a construção desse cenário fisiológico de caos político, por pessoas que nunca produziram nada, e que se reflete impiedosamente sobre 60 milhões de brasileiros, afetando diretamente a vida de jovens recém- saídos das universidades, trabalhadores com idade avançada e chefes de família. Atinge milhões de pessoas honradas e de boa fé, hoje desempregadas, que vêm, em conseqüência, descer pelo ralo a dignidade pessoal, ao serem estigmatizadas no sistema produtivo, bancário e até em instituições educacionais, como “caloteiras”,
Sem renda, o cidadão atrasa ou deixa de pagar uma dívida, e seu nome vai parar em um cadastro de pessoas “negativadas”. Os principais órgãos de negativização dos sujeitos são o SPC – Serviço de Proteção Crédito, dos lojistas, ligados aos lojistas, que detém informações sobre o perfil do consumidor, e o desautoriza como devedor. O outro é o SERASA –
Centralização de Serviços dos Bancos, que não é uma sigla, mas uma empresa, e que mantém um histórico particular sobre o comportamento dos cidadãos na relação com o sistema financeiro. A negativização do sujeito pode se estender por até cinco anos. O inscrito como “caloteiro” fica sem acesso ao crédito no comércio e nos bancos. Pode prejudicá-lo inclusive na busca de um novo emprego.
O controle fiscal do Meireles só ajuda a longo prazo. O desemprego pode chegar até ao final do ano a 14 milhões de trabalhadores. Sem salários e consequentemente sem acesso ao mercado, o endividamento da pessoa física pode vir a envolver mais de 1/3 da população brasileira. O governo precisa fazer algo. Nesse ambiente de “negativados” tem proliferado escritórios de advocacia prometendo limpar “nomes sujos”, uma ou outra empresa oferecendo vagas de trabalho, cujo anúncio resulta na formação de grandes filas de desesperados à sua porta; e os cursinhos insistem em fazer publicidade de concursos inexistentes. Uma dessas empresas faz anúncios sistemáticos nos horários nobres de televisão, afirmando que além de tirar o cidadão da lista de maus pagadores, insere-o novamente no sistema financeiro. A maldade é tamanha que tem até “feira dos negativados”.
Os culpados estão explícitos, mas não existem punições. Penalização só para as incautas famílias induzidas à aventura desabonadora . Reduziram os impostos federais para os produtos da chamada “linha branca” – todos tinham direito a ter uma geladeira, uma máquina de lavar, um automóvel – oferecendo crédito fácil , financiamentos a longo prazo, juros baixos, tudo sem a necessidade de garantias. Pretendeu-se dar a ilusão de uma ascensão de status social, ao mesmo tempo em que foram introduzidos instrumentos de aquecimento de um mercado que dava sinais insistentes de esgotamento. Fez-se a festa. Bancos e empresas em “cima do muro”, atropelaram os mecanismos formais de controle do crédito (Credit Score), e convenientemente concordaram em agir como agentes junto àqueles que nunca tiveram a chance de fazer uma operação bancária. Quando recuaram, o fizeram tardiamente, depois de vir a tona a leviandade da “contabilidade criativa”, que induzira a essa irresponsável distribuição de renda. O governo caiu em desgraça, e terminou por balançar os bancos e provocar o fechamento de empresas. Dois grandes bancos começam a deixar o País: o HSBC e o JP Morgan.
Como cenário, todos estão, portanto, envolvidos, contudo, em maior grau aqueles que tem permitido exploração ampla e livre do território frágil cidadão, a sua ignorância contábil e desconhecimento da Constituição, vitimando-o com a difusão continuada da fantasia de um modelo econômico sem base empírica ou científica. No Brasil existe uma enxurrada de leis de proteção do cidadão - “Ficha Limpa (LC n°135/2010), outra da “Reponsabilidade Fiscal”(L C nº 101/2000) , outra ainda a dos “Direitos do Consumidor” (Lei nº 8.078/1990), e uma quarta que chega a classificar os bons pagadores no chamado “Cadastro Positivo” ( Lei nº 12.414/ 2011). Uma PEC , em tramitação eterna no Congresso, tenta obrigar os chefes do Poder Executivo a seguir planos de metas baseado nas propostas eleitorais. A não ser o impeachment, falta, entretanto, uma lei que qualifique e sancione com rigor aqueles que enganam a coletividade.
O País está diante de um sério impasse. O governo precisa readquirir credibilidade imediata para mediar um acordo direto com bancos e empresas, de forma a resolver os dois problemas básicos da sociedade nesse momento: o desemprego e a “negativização’ creditícia dos cidadãos. A agenda economicamente correta precisa levar em consideração as ansiedades e frustrações dos milhões que foram as ruas. Ganhar a confiança das ruas.Não pode concentrar-se apenas na macroeconomia, e se fechar na “caixa preta” do Banco Central, instalando nela um super-ministro. A população está cansada dos salvadores da Pátria , vindo seja lá de onde: dos Estados Unidos, da Europa, de São Paulo, de Goiás ou mesmo do sertão do Nordeste.
*Jornalista, professor. Doutor em História Cultural