Daniel Sampaio * [1]
Vitória/ES, 23 de maio de 2016
O processo de desindustrialização no Brasil avança para a sua forma mais perversa neste início de década de 2010, que é a sua forma absoluta. Ela significa um fechamento generalizado de unidades locais industriais, com taxas de crescimento negativas no médio prazo. Na atual conjuntura é possível observar uma redução em termos reais do valor adicionado manufatureiro, fato que indica para diminuição das quantidades de bens industriais produzidos internamente.
Ressalta-se que a produção industrial e o domínio do progresso técnico são fundamentais para as trajetórias de desenvolvimento. As principais potências econômicas também são historicamente grandes produtoras e exportadoras de manufaturas. Além disso, elas detêm parcela crescente da propriedade empresarial e o domínio do progresso técnico em setores-chave da economia. No rol das grandes economias produtoras e exportadoras de manufaturas houve a inclusão, nas últimas décadas, de poucos países, principalmente asiáticos, tais como China e Coreia do Sul.
Ante uma crise profunda que se passa na economia brasileira, condicionada por fatores internos e externos, possíveis saídas não podem prescindir de um projeto de retomada do investimento, principalmente de condições que permitam uma modernização e retomada do crescimento do setor manufatureiro. A indústria tem, portanto, centralidade no desenvolvimento. Contudo, o quadro que se desenha para a economia brasileira é outro e com impactos regionais diferenciados.
A Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF) produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujos dados são apresentados na Tabela 1, mostra que neste início de século XXI a manufatura teve um primeiro quinquênio de expansão (2002-2005, 3,64% ao ano), o segundo de desaceleração (2006-2010, 2,72% a.a.) e o terceiro de crise/depressão (2011-2015, -2,78% a.a.).
Em um território marcado por fortes heterogeneidades regionais, sociais e produtivas e com forte concentração industrial em sua região Centro-Sul, os impactos das fases de crescimento, desaceleração e depressão foram generalizados entre as regiões brasileiras, ainda que em magnitudes diferenciadas. O desempenho industrial tem, inclusive, reflexos sobre as finanças públicas estaduais, haja vista que é uma importante base de arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços), principal fonte de recursos próprios dos estados.
Ainda segundo os dados da PIM-PF contidos na Tabela 1, que estima a produção física para 13 estados [2], na fase de crescimento mais agudo as economias que o setor manufatureiro cresceu acima do total nacional foram, em ordem, o Amazonas (9,88% a.a.), Paraná (6,73% a.a.), Goiás (5,59% a.a.), Pará (5,29% a.a.), Bahia (5,03% a.a.), São Paulo (4,49% a.a.) e Espírito Santo (3,98% a.a.).
No segundo quinquênio, quando houve desaceleração do crescimento manufatureiro nacional, continuaram tendo elevadas taxas de crescimento, em ordem crescente, os estados do Pará (5,43% a.a.), Goiás (4,52% a.a.), Paraná (4,34% a.a.), Espírito Santo (3,10% a.a.), São Paulo (3,07% a.a.) e Minas Gerais (2,77% a.a.).
De forma breve, no período de expansão econômica da primeira década do século XXI, as regiões que mais cresceram foram o Paraná, Pará e Goiás. Neste período, São Paulo cresceu acima da média nacional, o que pode apontar para uma hipótese de um ligeiro aumento de sua participação na estrutura produtiva nacional.
Tabela 1 – Taxa de variação média anual do índice de produção física da indústria de transformação (em %)
Fonte: PIM-PF/SIDRA/IBGE.
Nota 1: Índice acumulado do ano (Base: igual período anterior = 100)
Nota 2: Dados para dezembro de cada ano.
Nota 3: Dados para o Nordeste e Mato Grosso foram omitidos.
Já no último período, que é caracterizado por uma depressão do desempenho industrial, a redução da produção física de estados brasileiros é generalizada. A única exceção é o estado de Goiás (3,27%), em grande medida fruto de instrumentos da "guerra fiscal".
Dentre os estados que tiveram destaque na primeira década (2002-2010) e forte retração no período seguinte (2011-2015) cabe destacar o Espírito Santo (-4,94% a.a.) e Amazonas (-4,03% a.a.). Estão no grupo que tiveram forte expansão e posterior baixa retração os estados do Pará (-1,81% a.a.), Paraná (-1,47% a.a.).
O destaque está na economia paulista, principal parque produtivo nacional, com redução acumulada de 28,48% neste último recorte temporal, valor que é maior do que o obtido pela economia nacional (-13,14%). Este dado aponta, por sua vez, para uma possível retomada da desconcentração produtiva da manufatura doméstica em meio a uma terra arrasada para a indústria, por isso ela se aprofunda e retoma o seu caráter "espúrio" ou "meramente estatístico" [3].
A desindustrialização absoluta é um fenômeno que se observa distribuído por todo o território nacional, com maiores efeitos sobre a economia paulista por três motivos básicos: maior parque industrial do país, estrutura produtiva mais diversificada e que liderou a integração regional. Em contexto de redução do valor adicionado industrial, avança também a desconcentração produtiva espúria ou estatística com impactos urbano-regionais não desprezíveis.
[1] O autor agradece aos comentários de Leonardo Porto, pesquisador do CEDE/IE/UNICAMP isentando-o de eventuais erros e omissões.
[2] A PIM-PF estima a produção física para 14 estados, a Região Nordeste e o Brasil.
[3] Termos já utilizados por Cano, W. (2008). Desconcentração produtiva regional no Brasil, 1970-2005. São Paulo: Ed. Unesp.
* Professor do Departamento de Economia da UFES. Doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP.