Fabrício Augusto de Oliveira*
O déficit de R$ 163,9 bilhões do setor público anunciado pelo governo Temer, para 2016 (R$ 170,5 bilhões para o Governo Central), pode estar superestimado, como alguns têm alegado, mas, pela sua dimensão, revela as dificuldades que o Brasil deve enfrentar para retornar à trajetória de crescimento econômico nas mãos da ortodoxia. Explica-se a razão.
Para a ortodoxia, guiada mais pela crença e ideologia do que pela ciência, o equilíbrio das contas públicas é uma precondição para resgatar a confiança dos agentes econômicos e para que estes voltem a investir, abrindo-se, assim, os caminhos para a retomada do crescimento.
Tudo se passa, nessa visão, como se os agentes econômicos mirassem apenas a capacidade de solvência do governo e nada mais importasse: nem as demais condições macroeconômicas, nem a força ou fraqueza da demanda, nem a situação da economia internacional, nem as incertezas existentes, nem o custo-país e assim por diante. Isso pode valer para o capital financeiro, mas o fato é que o capital produtivo precisa contar com muito mais do que o equilíbrio das contas públicas para se arriscar a voltar a investir.
Mesmo desconsiderando este fato, a proposta de ajuste em curso do governo Temer é inconsistente pelas seguintes razões: i) porque sem o crescimento econômico, o ajuste não se realiza por ser considerável a perda de receitas públicas, como vem acontecendo na recessão atual, devido à existência de uma estrutura tributária procíclica; ii) o ajuste pelo lado das receitas esbarra na dificuldade do atual governo, porque até mesmo sem legitimidade política e formado por um número considerável de atores investigados na Lava Jato e no Supremo Tribunal Federal (STF), de conseguir desmontar a rede de proteção dos programas sociais estabelecida pela Constituição de 1988, por meio de vinculação de receitas. Mesmo se conseguisse isso, os resultados dessas reformas só apareceriam no médio/longo prazo; iii) o maior desequilíbrio das contas públicas deve-se mais às contas financeiras, que têm sido responsáveis por cerca de 80 a 90% do déficit nominal e, sobre essas, nenhuma menção tem sido feita em termos de ajuste, a não ser a proposta de retorno de R$ 100 bilhões de empréstimos concedidos ao BNDES para reduzir o tamanho da dívida de mais de R$ 4 trilhões.
Por tudo isso, se for seguida a agenda da ortodoxia de esperar a realização do ajuste para só depois retomar o crescimento, este não acontecerá tão cedo. Como o rombo primário projetado é de R$ 163,9 bilhões, o equivalente a 2,65% do PIB, e o nominal deve bater em R$ 500 bilhões (8,7% do PIB), fica difícil, diante das dificuldades colocadas, prever como o governo conseguirá reequilibrar essas contas, a não ser que tente o caminho mais fácil de aumento dos impostos, como alguns economistas vêm propondo. Mas, neste caso, juntamente com o corte de gastos, a recessão deverá se aprofundar, frustrando o esperado aumento das receitas e garantindo a progressiva deterioração das contas públicas. Não sem razão, algumas instituições internacionais têm projetado uma relação dívida/PIB do país próxima de 80% para 2017.
Otimistas de plantão sempre existem. E alguns já começam a apontar que o país está chegando ao fundo do poço e que sinais de reversão da atual situação têm se manifestado ainda que de forma tímida, mas promissores para 2017. Abstraem-se, no entanto, dos estragos que ainda estão por vir com as medidas que estão sendo anunciadas de novos cortes de gastos, aumento de impostos indiretos, avanço do desemprego, queda dos níveis de renda dos trabalhadores e das incertezas que continuam reinando na economia internacional. E de que a solução fiscal ainda se encontra longe de ser equacionada.
Um pouco de sensatez levaria o governo a mudar o cardápio da política econômica e a evitar adotar medidas ousadas que, certamente, vão frustrar-se por desencadearem forte oposição, como as de desvinculação de receitas dos programas sociais e a reforma da previdência, que exigem mudanças na Constituição, deixando-as para um próximo mandatário que, eleito, teria, talvez, maior legitimidade para promover essas mudanças. Dado o cenário atual, o novo cardápio poderia ser composto de medidas emergenciais, defensivas, que tanto ajudem a mitigar a questão fiscal – não dá para resolvê-la em pouco tempo – quanto lancem algum oxigênio para o crescimento e para dar algum alento ao emprego.
Uma diminuição da taxa de juros, desnecessariamente elevada com o forte recuo já registrado na demanda agregada seria um passo importante a ser dado para aliviar o desequilíbrio fiscal provocado pelos encargos da dívida e para incentivar o consumo e o investimento, sabendo-se que cada ponto percentual da Selic representa algo em torno de R$ 15 bilhões. Uma reforma dos impostos diretos ou mesmo a criação de um imposto ou empréstimo extraordinário sobre as altas rendas poderia gerar mais receitas para essa travessia do que o aumento de impostos indiretos, porque estes, ao aumentarem a recessão, terminam minando a própria arrecadação. Deslanchar, sem os erros de marcos regulatórios anteriores, programas de concessão de infraestrutura econômica, e adotar medidas de estímulos à construção civil, reponta como fundamental para reverter a tendência da taxa de desemprego continuar seguindo adiante.
Não é o momento para adotar medidas impopulares que podem incendiar ainda mais o país e derrubar um governo frágil politicamente. Uma política do “arroz com feijão” no cenário atual talvez seja a mais recomendável. Como, no entanto, a sensatez não costuma ser uma virtude da ortodoxia, disposta a promover um ajuste rápido, mesmo que fazendo a população mais pobre sangrar, fica difícil esperar que dias melhores possam se descortinar para o país no futuro próximo.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debates e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.
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